O Globo, n. 32506, 06/08/2022. Política, p. 9

Disputa de ex-ministras divide Bolsonaro e Michelle

Eduardo Gonçalves
Kathlen Barbosa


A disputa pelo Senado na capital do país levará o presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua mulher, Michelle Bolsonaro, para palanques concorrentes. A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos) lançou ontem sua candidatura à Casa Legislativa, com o apoio da primeira-dama. Ela terá como principal adversária na busca pelo voto conservador a deputada e também ex-ministra da Secretaria de Governo Flávia Arruda (PL), cuja candidatura, na coligação liderada pela tentativa de reeleição do governador Ibaneis Rocha (MDB), foi articulada pelo presidente. Michelle fez questão de comparecer ao evento que formalizou a volta de Damares ao páreo. A ex-ministra havia anunciado a desistência quando Bolsonaro optou por apoiar Flávia, no mês passado. Damares negou haver qualquer desconforto em competir com outra representante do bolsonarismo.

— Vou enfrentar a Flávia com muito respeito. Mas eu entendo que a população do Distrito Federal precisa ter outra opção (...). E vai ganhar quem tiver mais voto. E quem vai ganhar sou eu —afirmou. Ao empunhar o microfone, Michelle fez questão de confirmar sua relação de proximidade com Damares, o que é propagandeado pela ex-ministra com frequência. A mulher de Bolsonaro se declarou para a amiga, anunciou que vai trabalhar por sua eleição e disse que quem não gosta dela “não é do bem”.

— Estou com você por um Distrito Federal melhor. Dizer que você é uma mulher preciosa. Só não gosta de você quem não é do bem(...). Então eu estou aqui por você e para você, minha amiga. Conte com o meu apoio, com o meu respeito, com a minha admiração, porque você é uma mulher que me ensina todos os dias — afirmou a primeira-dama. O presidente da República não compareceu ao evento, embora Damares diga que o ex-chefe não se opôs à sua decisão de manter a candidatura. Ela perdeu espaço em consequência de uma costura política. No primeiro momento, o presidente teria em seu palanque Ibaneis Rocha para governador e Damares ao Senado.

Os planos mudaram quando o ex-governador José Roberto Arruda ( PL ), marido de Flávia, ameaçou entrar na disputa contra Ibaneis. Nesse cenário, Bolsonaro aceitou apoiar Flávia para o Senado, desde que Arruda abrisse mão do governo para se candidatar a deputado. O acordo foi fechado, e Damares perdeu o posto. Quando aceitou a proposta do presidente, Arruda corria o risco de ficar fora da eleição, barrado pela Lei da Ficha Limpa, já que ele havia sido condenado por improbidade administrativa por órgão colegiado. Ontem, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou duas dessas condenações e, com isso, o ex-governador obteve o direito de concorrer.

A atuação de Arruda, inclusive, é o que põe em xeque o discurso de Damares de que não há saia-justa no fato de ela correr na mesma raia de Flávia Arruda. De acordo com ela, o ex-governador não estaria disposto a pedir votos para Bolsonaro, mesmo depois de ter se aliado a ele. A própria ex-ministra confirma que isso pesou para se lançar candidata:

— Houve ruídos. O Arruda falando que não vai pedir voto para presidente. Esses movimentos estranhos me deram mais uma oportunidade de tentar de novo.

Queixa do Republicanos

Outro ponto foi determinante para o retorno de Damares à corrida ao Senado. A cúpula do Republicanos, legenda da ex-ministra e um dos pilares do Centrão, base de Bolsonaro, não gostou de ver a correligionária rifada do palanque presidencial. Nos bastidores, os caciques da sigla se queixam de que os outros partidos do Centrão, PP e PL, recebem tratamento mais generoso de Bolsonaro e seu entorno. Mesmo com a candidatura avulsa de Damares, o Republicanos continuará apoiando a reeleição de Ibaneis, segundo o presidente da legenda no DF, Wanderley Tavares.