O Globo, n. 32509, 09/08/2022. Política, p. 4
Projeto de reeleição
Natália Portinari
Jussara Soares
Manoel Ventura
No primeiro documento em que reúne as diretrizes do que planeja fazer em um eventual segundo mandato, a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) promete manter uma agenda liberal na economia, incluindo privatizações, porém sem citara Petrobras, e prevê uma atualização da tabela do Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física, mas com uma proposta que reduz quase pela metade a faixa de isenção prometida há quatro anos. A minuta do plano de governo, obtida pelo GLOBO, contempla uma série de propostas que representam acenos à base conservado raque o elegeu, como a defesa da “liberdade e a vida”, com posições contrárias ao aborto e favoráveis a ampliar o acesso às armas de fogo.
Segundo integrantes da equipe de Bolsonaro, o documento de 48 páginas ainda deve passar por uma etapa de validação, em que podem ocorrer ajustes em alguns trechos, antes de ser protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A data limite para que isso ocorra é o dia 15.
Na parte que trata das propostas econômicas, o documento prevê a manutenção de ações dos últimos anos, como o programa Casa Verde Amarela, de moradia popular, e inclui um tom de prestação de contas do atual mandato, atribuindo à pandemia e à guerra da Ucrânia a culpa pela alta da inflação, por exemplo. A minuta do plano cita 11 vezes o conflito no leste europeu para argumentar que isso trouxe incertezas para a economia e aumentou preços ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
A principal mudança nesse capítulo é o trech oque tratada faixa de isenção do IR. O novo documento cita que o governo enviou ao Congresso uma parte da reforma tributária aumentando a faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais. Na campanha ao Palácio do Planalto em 2018, Bolsonaro prometeu isentar quem ganhava até cinco salários mínimos mensais, na época, o equivalente aR $4.770— hoje, seriam R$ 6.060.
REAJUSTE PARA SERVIDORES
A minuta também prevê reajuste nos salários dos servidores públicos, congelados desde 2019. Bolsonaro chegou a prometer, diversas vezes, que haveria um aumento neste ano, mas ele não ocorreu. As diretrizes do programa para tentar a reeleição tratam de “reformas estruturantes”, citando a reforma administrativa (que revê as regras para os servidores). “A redução de gastos decorrentes da pandemia, o aumento da produtividade e a maior oferta de serviços digitais para a população favorecerão a implementação de reposições salariais aos servidores”, diz a minuta.
O texto ainda formaliza a promessa de Bolsonaro de manter o Auxílio Brasil em R$ 600. Ante sem R $400, o valor do programa subiu neste mês como parte da estratégia eleitoral do presidente. O valor mais alto está previsto para durar até o fim do ano e a minuta do plano de governo não explica como pagar o valor maior do benefício a partir de 2023.
Embora o presidente venha falando em privatização da Petrobras, a empresa não é mencionada no documento. O texto cita privatizações, mas sem mencionar empresas específicas.
O documento, que mantém a linha ideológica da eleição passada, inclui logo em seu primeiro capítulo a defesa da “liberdade e a vida”, em que cita a primeira como um conceito caro a todos que “acreditam na família, na democracia, na liberdade econômica, no direito à propriedade, no direito à vida do nascituro, na possibilidade de expressar suas opiniões e na condução de suas vidas de acordo com valores e propósitos, como é o caso da gestão Bolsonaro”.
“(A liberdade) não tem serventia se a vida do cidadão é caracterizada pelo autoritarismo; pelas intervenções do Estado na sua família e nas suas propriedades; pelas tentativas de cercear o direito inalienável da imprensa de informar livremente, pela falta de segurança jurídica ou da possibilidade de escolhas individuais”, diz o texto.
Em alguns pontos, o documento tem um tom mais ameno do que o plano de governo de 2018, coordenado pelo deputado Onyx Lorenzoni (PL-RS). Enquanto naquela época a campanha denunciava o “marxismo cultural” que teria se unido “às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”, atribuindo o aumento no uso de crack e nos assassinatos à esquerda, neste ano fala apenas em propor o “desaparelhamento ideológico da sociedade e do aparato do Estado”.
Democracia
O documento cita eleições apenas uma vez. Afirma que, em um próximo mandato, será buscada a interação com países que defendam e respeitem “valores que são caros aos brasileiros”, “como eleições livres e transparentes”. Segundo o texto, o “o governo do Brasil tem primado por defender e promover o regime democrático.” Bolsonaro, porém, tem um histórico de declarações antidemocráticas, como, por exemplo, contra o Supremo Tribunal Federal e o processo eleitoral.
A Amazônia é mencionada em trecho que trata sobre “uso responsável dos recursos naturais”. Segundo o documento, o governo deve propiciar um crescimento ordenado, “equilibrando proteção ambiental com crescimento econômico justo e sustentável para todos e benefícios sociais”.
A minuta defende o combate ao desmatamento e às queimadas, além de frisara soberania do Brasil sobre a Amazônia .“Se, por um lado, ela (Amazônia) possui riquíssimos recursos naturais, muitos deles fundamentais para parte expressiva do mundo, por outro, é alvo de cobiça estrangeira e palco de crimes, notadamente ambientais, que devem ser coibidos com firmeza.”
A última frase do documento é: “Neste contexto, ninguém fica para trás!”, slogan adotado pelo governo na campanha contra a Covid-19 após a Justiça proibir o mote “Brasil não pode parar”, sob o argumento de que ele desestimulava as medidas de isolamento durante a pandemia. O programa exalta as ações do governo no combate ao coronavírus.