Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Internacional, p. A13

Covid-19 vai mudar a globalização e empresas terão de rever suas cadeias

Beata Javorcik


Mesmo que sejamos capazes de dominar a pandemia do coronavírus, seus efeitos provavelmente desencadearão nada menos do que uma reavaliação na forma de produção global.

Esta pandemia vem no momento em que a globalização já estava sob grave ameaça, por causa da guerra comercial entre EUA e China e da crescente incerteza sobre o futuro do livre comércio. No passado, choques nas cadeias globais de fornecimento, como o terremoto e o tsunami de 2011 no Japão, eram vistos como eventos isolados. Não se esperava que esses distúrbios temporários prejudicassem seriamente um modelo de negócios estável e bem-sucedido, construído sob o pressuposto de que a globalização estava aqui para ficar.

Desta vez é diferente. Os abalos nas cadeias mundiais de fornecimento provavelmente terão repercussões. O conflito EUA-China não foi resolvido e pode reacender a qualquer momento. As empresas não podem mais dar como certo que os compromissos tarifários consagrados pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) impedirão surtos repentinos de protecionismo. O mecanismo de mediação de disputas da OMC parou de funcionar.

Ao mesmo tempo, a covid-19 expôs o que muitos consideram uma dependência excessiva de fornecedores localizados na China. A província de Hubei, onde a epidemia começou, é um centro de fabricação de produtos de alta tecnologia, onde ficam empresas locais e estrangeiras que estão fortemente integradas aos setores automotivo, eletrônico e farmacêutico. A província responde por 4,5% do PIB chinês; 300 das 500 maiores empresas do mundo têm instalações em Wuhan, capital de Hubei. Lá a epidemia provocou uma ruptura nas cadeias de fornecimento em todos os continentes, antes de que se tornasse uma pandemia.

A busca por fornecedores mais vantajosos em termos de custos deixou muitas empresas sem um plano B. Mais da metade das empresas pesquisadas pela câmara japonesa de indústria e comércio de Xangai relatou que suas cadeias de fornecimento foram afetadas pela pandemia. Menos de um quarto informou ter planos alternativos de produção ou abastecimento para o caso de disrupção prolongada. O efeito dominó pode ser maior, pois as empresas não costumam saber onde estão os fornecedores de seus fornecedores.

Muitos países descobriram agora o quanto são dependentes de suprimentos da China. Por exemplo, quase três quartos dos anticoagulantes importados pela Itália vêm da China. O mesmo vale para 60% dos antibióticos importados pelo Japão e 40% dos importados por Alemanha, Itália e França. As tensões políticas crescem quando governos destacam de onde o vírus se originou, especialmente aqueles que não fizeram o suficiente para preparar seus países para uma resposta enérgica. Isso acrescentará outra camada de incerteza às políticas comerciais.

As empresas serão obrigadas a repensar suas cadeias globais de valor.

Essas cadeias foram moldadas para maximizar a eficiência e os lucros. E, enquanto a produção “just-in-time” pode ser a melhor maneira de fabricar um item altamente complexo, como um automóvel, as desvantagens de um sistema que exige que todos os seus elementos funcionem como um relógio foram expostas agora.

Apesar de a pandemia ter tirado as mudanças climáticas das manchetes, a ameaça não desapareceu. Na falta de resposta global coordenada, podemos esperar mais choques na forma de eventos climáticos extremos ou epidemias. Empresas que não tomarem medidas adequadas poderão ter o mesmo destino do sapo fervido gradualmente - o sapo não reage ao aumento gradual da temperatura e morre quando a água ferve.

Resiliência se tornará a nova palavra da moda. As empresas pensarão seriamente em diversificar sua base de fornecedores, para se proteger de problemas com um determinado produtor, uma região ou mudanças na política comercial. Isso significa construir redundâncias e t afastar da prática de manter os estoques quase zerados. Os custos certamente subirão, mas no mundo pós-covid a preocupação com a fragilidade da cadeia de fornecimento virá logo após aquelas com os custos. As empresas deverão avaliar também a resiliência de seus fornecedores de segundo e terceiro níveis.

Podemos ver algumas fábricas voltarem a seus países de origem, já que a automação reduz o custo da mão de obra. Os novos membros da União Europeia e a Espanha podem ter um crescimento no emprego industrial. Podem surgir oportunidades para países que não estavam no topo das listas de investidores antes. Num mundo pós-pandemia, menções a países como Bielorrússia, Ucrânia ou Mongólia vão ressoar nas salas de conselhos das empresas, enquanto executivos trocam dicas sobre seus lugares favoritos em Tirana (Albânia) e Chisinau (Moldávia). Na UE, o burburinho será sobre as últimas discussões a respeito de integração comercial mais profunda com o leste e o sul do mundo.

O coronavírus não acabará com a globalização, mas vai mudá-la. As empresas terão que se adaptar para serem bem-sucedidas. Isso é o que o vírus nos obriga a fazer, até economicamente.

Beata Javorcik é economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd)