Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Opinião, p. A14
Medidas corretas de amparo aguardam o teste da execução
A rede de proteção contra a destruição de empregos e renda provocada pelo coronavírus já foi quase toda ela delineada e aprovada, sob pressão do Congresso e das circunstâncias da quarentena. As medidas são coerentes, vão na direção certa e têm peso para fazer a diferença: até agora são R$ 442,6 bilhões para preservar empregos, sustentar trabalhadores informais e apoiar com crédito e diferimento de impostos as empresas, em especial pequenas e médias, na difícil transição.
A cifra não inclui os recursos destinados à saúde nem as injeções de recursos via liberação no compulsório nos bancos (R$ 200 bilhões), a disponibilidade de linhas de crédito revigoradas na Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES (R$ 213 bilhões), nem a disponibilidade para emprestar por bancos estatais e privados, decorrente da redução das exigências de capital de proteção. O pacote indireto de apoio montado pelo Banco Central, quando e se for executado na íntegra, injetaria R$ 1,2 trilhão em liquidez no mercado.
Os apoios concebidos contemplam as principais preocupações com a virtual paralisia de setores inteiros da economia - em primeiro lugar, serviços -, a interrupção abrupta do fluxo de renda para a população e a sobrevivência dos empregos que, por sua vez, depende das empresas, milhares delas ameaçadas de extinção. Haverá financiamento para que elas mantenham empregados e dinheiro da União para cobrir o corte integral ou parcial dos salários (25%, 50%, 75%) por meio da cobertura do seguro desemprego de até 2 salários mínimos (R$ 2.090). Para amenizar a redução dos salários há R$ 55 bilhões e outros R$ 40 bilhões serão emprestados a companhias de pequeno e médio porte, as que mais elas mantenham empregados e dinheiro da União para cobrir o corte integral ou parcial dos salários (25%, 50%, 75%) por meio da cobertura do seguro desemprego de até 2 salários mínimos (R$ 2.090). Para amenizar a redução dos salários há R$ 55 bilhões e outros R$ 40 bilhões serão emprestados a companhias de pequeno e médio porte, as que mais empregam, para manutenção da mão de obra.
O maior programa de assistência, de R$ 98 bilhões por três meses, é inédito no país - ele procura amparar todos os trabalhadores sem carteira assinada, autônomos, intermitentes ou quem realiza serviços esporádicos, que não contam com proteção alguma do Estado, não tem um colchão de renda para enfrentar dificuldades e que neste momento viram desaparecer até mesmo suas precárias fontes de sustento. Pelas contas dos sociólogos do Ipea, o apoio de R$ 600 aos informais abrange um universo de 36,4 milhões de famílias, ou 117 milhões de pessoas - nada menos que 55% da população brasileira (ver artigo ao lado).
Pressão política de todos os lados, principalmente do Congresso, aprimoraram as medidas que tardaram a ser cogitadas para combater a crise trazida pelo coronavírus - até há pouco, o ministro Paulo Guedes julgava que o vírus poderia ser atacado com reformas. A ideia inicial da equipe econômica era aproximar a renda a ser oferecida à do Bolsa Família, R$ 200. A intervenção de deputados e do presidente da Câmara, elevou o valor a R$ 500 e o governo deu seu aval para R$ 600.
Para um governo cuja principal tarefa tem sido a de cortar despesas, gastar recursos não deve ser um exercício fácil, ainda mais quando centenas de bilhões de reais serão despejados para conter os efeitos daquilo que o presidente da República diz que é uma “gripezinha”. De qualquer forma o pacote, necessário e que pode ser aprimorado ao longo do percurso, pode, se for ágil e eficaz, se revelar um antídoto à queda de popularidade de Bolsonaro. O presidente tem sancionado as medidas, ainda que praguejando contra os governadores e suas quarentenas.
A dosagem final das medidas, no entanto, tinha poder para unir ao redor do governo todas as forças que Bolsonaro tem antagonizado, de governadores à oposição. Há pelo menos R$ 22,2 bilhões para os Estados, na forma de suspensão de pagamento de dívidas e sua reestruturação, e possivelmente mais recursos estão a caminho. Ainda que as receitas do Estado sejam finitas e as carências sociais, enormes, não há camada relevante do tecido econômico que não tenha sido amparada - até mesmo os bancos privados o foram.
Apesar de escaramuças no planejamento das medidas, o teste pelo qual elas serão julgadas é o de sua execução. O Brasil é um continente, com ao menos 38 milhões de pessoas à margem de direitos e deveres sociais mínimos, muitas delas sem contas bancárias. Será preciso recorrer à bem estabelecida rede de proteção social, amparada pelo Cadastro Único e em ação por quase duas décadas, o programa Bolsa Família. A criatividade tecnológica, poderá auxiliar, como complemento, a capturar parte dos milhões de cidadãos que terão pela primeira vez direito a algum alívio oficial em uma crise. É importante que dê certo.