Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Especial, p. A16

Balanços sofrerão os efeitos da covid-19, dizem auditores

Ivan Ryngelblum 


A pandemia do novo coronavírus terá implicações diretas sobre os balanços das empresas e na maneira como será avaliada a viabilidade dos negócios. O alerta foi feito por sócios de três maiores firmas de auditoria do mundo ouvidos pelo Valor. Eles esperam um salto na quantidade de baixas contábeis nos balanços, diante do dano causado pela covid-19 à economia.

Uma das principais consequências para as demonstrações financeiras será a revisão - para baixo - do valor dos ativos no primeiro trimestre.

Desde que as normas internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês) foram adotadas no Brasil, em 2010, as empresas têm de fazer periodicamente o chamado “impairment”, uma análise criteriosa dos ativos imobilizados e intangíveis, para confirmar se os valores desses ativos registrados no balanços têm sustentação na vida real.

Os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica do ativo também têm que ser revisados e ajustados. Diante das transformações radicais trazidas pela pandemia, não há dúvida que isso terá que ser feito. O que se discute agora é a magnitude desses ajustes.

O teste de “impairment” é uma prova de que o valor contábil de um ativo justifica-se pela sua capacidade de gerar receita, seja pelo uso ou venda. No cálculo, os auditores precisam considerar premissas macroeconômicas, como crescimento e inflação, todas elas contaminadas pelo coronavírus. O ineditismo da crise tira a previsibilidade - um artigo sem o qual empresa e auditores não conseguem trabalhar.

“Vai ser necessário muito julgamento, e estamos em um cenário sem precedente na história”, disse Rogério Mota, sócio de auditoria da Deloitte. “É tudo muito novo e rápido e as empresas estão avaliando os impactos de maneira geral.”

Ativos financeiros também devem passar por uma baixa contábil, caso de empréstimos, contas a receber de clientes e outros recebíveis e instrumentos de dívida não mensurados ao valor justo por meio do resultado.

A situação levou o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), organismo responsável pela elaboração do padrões contábeis IFRS, a emitir, na semana passada, documento tratando da aplicação da norma IFRS 9, que define regras de mensuração, contabilização e reconhecimento das perdas do valor recuperável dos ativos financeiros. A orientação é de que auditores e empresas julguem riscos considerando as circunstâncias atuais.

Para Kieran McManus, sócio da PwC Brasil, as demonstrações financeiras terão de trazer aos leitores da forma mais clara possível quais critérios foram utilizados para calcular as baixas contábeis, em ativos financeiros e não financeiros.

“O ‘impairment’ vai ser um grande desafio, porque a cada período que passa se têm expectativas diferentes”, disse. “As empresas vão ter que aplicar as normas, e a forma como elas vão aplicá-las vai ter que ser divulgada de forma adequada, para que o leitor possa entender o nível de sensibilidade de áreas criticas.”

A situação deve ter consequências sobre a “continuidade operacional”, uma avaliação feita pelos auditores para saber se aquele negócio tem futuro. Uma empresa não é mais considerada operacional quando a própria administração pretende liquidar suas operações ou não tenha nenhuma alternativa para evitar o encerramento das atividades.

Empresas, que até recentemente pareciam perfeitamente saudáveis, poderão ter suas operações questionadas diante dos efeitos do coronavírus no mercado.

A imposição de restrições à circulação para diminuir o risco de contágio, com a consequente redução da demanda por bens e serviços, forçou as empresas a alterar significativamente suas operações, especialmente em março, quando a doença começou a se espalhar pelo país. Varejistas fecharam suas lojas, empresas aéreas e do setor de turismo tiveram recuo forte de reservas, fábricas foram fechadas ou funcionam com o mínimo da capacidade instalada.

Essa mudança drástica servirá também como um teste da robustez das estruturas de capital e operacional, na opinião do presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Francisco Sant’Anna. “Se a empresa tiver um norte em gestão, bons controles internos e for prudente, ela resistirá a este momento.”