Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Finanças, p. C1
PEC inclui compra de título público
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Alex Ribeiro
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do “Orçamento de Guerra”, que dá suporte a medidas de combate ao coronavírus e concede mais poderes para o Banco Central (BC) atuar na atual crise econômica, deve ser votada hoje pelo plenário da Câmara dos Deputados. Os termos finais, porém, ainda estão em negociação entre os partidos, e a oposição pressiona para que a ajuda às empresas seja condicionada à manutenção de empregos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), liderava as conversas e tentava construir um acordo para aprovar a PEC em dois turnos de uma vez, com o objetivo de não dar margem para o governo dizer que não está tomando as ações necessárias por causa da inércia do Congresso. Uma reunião entre os líderes partidários ocorria na noite de ontem para bater o martelo, mas ainda não tinha acabado até o fechamento desta edição.
O Congresso já aceitou, contudo, reincluir a permissão para que o Banco Central compre títulos públicos no mercado durante a crise do coronavírus, e não apenas faça operações compromissadas, como ocorre hoje. Esse ponto, pedido pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, saiu na versão inicial da PEC, mas retornou na madrugada de ontem no parecer do relator da proposta, o deputado Hugo Mota (Republicanos-PB).
Se não houver novas modificações de última hora, a PEC vai autorizar o Banco Central “a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”, mas apenas durante esta crise.
Originalmente, o Banco Central pretendia que esses poderes valessem também para outras situações de calamidade pública que eventualmente fossem declaradas pelo Congresso Nacional, bem como estado de defesa e de sítio. Mas os deputados decidiram não mexer de forma permanente na atuação do BC e limitar à atual crise.
Há receio de que, sem autonomia de fato, a autoridade monetária fosse utilizada para financiar os gastos do governo, o que no passado criou uma hiperinflação. Eles também retiraram a possibilidade de o Banco Central “realizar outras operações financeiras, inclusive com o uso de instrumento derivativo”.
Outra limitação é quantitativa, no que diz respeito à compra de direitos creditórios e de títulos privados. As operações precisarão do aval do Ministério da Economia e de aporte de capital do Tesouro Nacional de pelo menos 25%. Por sugestão de economistas, a Câmara avaliava deixar esse percentual para ser definido em lei ou normativa interna da autarquia, mas isso ainda estava em negociação.
Essa restrição cria um colchão de proteção do balanço do Banco Central contra eventuais perdas nos títulos adquiridos. Mas é um limite à emissão de moeda para a compra de ativos privados.
A oposição ao governo também apresentou emendas para que a compra de títulos de crédito de empresas tenha como contrapartida a manutenção dos empregos (a data seria a da promulgação da PEC) e não distribuição de bônus ou dividendos para os executivos estatutários (eleitos pelo conselho).
PT e Psol argumentaram que o socorro precisa estar voltado aos trabalhadores, na linha do projeto aprovado pela Câmara para adiar o pagamento da contribuição patronal, mas só para as empresas que não demitissem. Se isso não for incluído no parecer, os partidos de oposição devem pedir uma votação a parte.
O arsenal proposto aproxima o Banco Central brasileiro dos poderes de seus pares de países desenvolvidos, como o Federal Reserve (Fed) e Banco do Japão (BoJ). Mas essas instituições têm poderes permanentes para usar esses instrumentos não convencionais de política monetária, sem estarem restritos a períodos de calamidade, como o atual, nem a limites quantitativos.
O parecer também excluiu da PEC a criação de depósitos voluntários pelas instituições financeiras no Banco Central, de forma a retirar liquidez do mercado sem aumentar o endividamento público com as operações compromissadas. A oposição dizia que essa remuneração favoreceria os bancos e era contra. Por isso, Maia aceitou retirar esse ponto para permitir a votação da PEC, mas ele informou a aliados que pretende aprovar um projeto de lei com esse mesmo instrumento.