Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Finanças, p. C1

BC vê cenário ‘altamente recessivo’

Murillo Camarotto
Estevão Taiar


Em reunião com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), ontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apresentou um cenário bem mais negativo para a economia brasileira do que o traçado pela própria autoridade monetária. Ele mencionou a projeção feita pela The Economist Intelligence Unit, que aponta queda de até 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2020. E disse que as enormes perdas na bolsa de valores, no mercado de crédito e nos títulos públicos terão um efeito “altamente recessivo”.

Embora a estimativa da The Economist Intelligence Unit seja bem mais pessimista do que a do próprio BC, Campos reconheceu que esse levantamento é “bastante respeitado”, segundo trecho de gravação da reunião obtido com exclusividade pelo Valor. “É uma previsão bastante negativa; não temos esse número, mas achei importante compartilhar”, afirmou.

A projeção mais recente do BC, apresentada no último dia 26 no Relatório Trimestral de Inflação, indica estabilidade da atividade neste ano. A própria autoridade monetária, porém, admite que a estimativa está defasada. Isso porque ela foi baseada nos dados disponíveis até a véspera da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), encerrada na quarta-feira da semana passada.

Aos ministros do TCU, Campos Neto ressaltou que o Brasil aparece com o pior desempenho do mundo entre os países indicados no documento, passando de uma previsão de crescimento de 2,4% antes da pandemia da covid-19 para uma recessão de 5,5% após o surto, o que representaria uma perda acumulada de 7,9%.

O presidente do BC disse no encontro que o tombo global do setor de serviços explica a maior parte da recessão prevista para os países analisados. Logo após o Brasil, aparecem Alemanha, Itália e Turquia, com perdas de 7,7%, 7,4% e 6,8%, respectivamente.

Ele chamou a atenção para o efeito “altamente recessivo” da queda no mercado acionário nacional. “A bolsa brasileira, em termos de perda financeira, chegou a R$ 1,7 trilhão. Por mais que façamos o melhor fiscal, o melhor plano que se pode pensar, a gente não vai chegar perto de recuperar nem o que se perdeu na bolsa”, afirmou Campos Neto.

“Ainda falta adicionar o crédito e toda a parte de títulos públicos; perdeu-se muito dinheiro. Então, tem um efeito pobreza no investidor que vai fazer com que gaste menos. É altamente recessivo nesse sentido”, complementou o presidente da autoridade monetária. Procurado, o BC informou que não iria comentar.

Campos também disse que, em um primeiro momento, imaginou-se que a crise do coronavírus geraria apenas um choque de oferta, com a escassez, por exemplo, de produtos que a indústria brasileira precisa importar da China. Há, segundo ele, a percepção de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) demorou para entender que o vírus se espalharia com velocidade por todas as regiões do planeta.

O presidente do BC citou a ocorrência de um “efeito álcool gel” no mercado de crédito, pelo qual empresas de grande porte - com mais acesso a informações - se anteciparam e garantiram as melhores linhas de liquidez.

Também fez questão de ressaltar a importância das reservas internacionais neste momento. Ao comentar um gráfico que mostrava uma fuga intensa de capital dos países emergentes, Campos Neto afirmou que no curto prazo “vai ser cada um por si”, ou seja, não haverá dinheiro externo ingressando nessas economias. Por isso, segundo ele, resistir às pressões e preservar as reservas - hoje em US$ 345 bilhões e valorizadas pelo câmbio - foi fundamental para ter segurança agora.

O encontro com o TCU teve o objetivo de explicar aos ministros o conteúdo da Medida Provisória 930, que resguarda servidores do BC de responsabilização por operações feitas durante o período da pandemia. Havia algumas dúvidas no tribunal sobre a extensão dessa proteção, mas tudo foi esclarecido na reunião.

De acordo com a apresentação do presidente do BC, o suporte dado pela autoridade monetária brasileira à liquidez do sistema financeiro alcança 16,7% do PIB. Em outros emergentes, os montantes são consideravelmente menores: 2% na Índia e na Malásia, 1% na Arábia Saudita e 0,3% na Indonésia e no México.

Já o suporte ao crédito está em 16,5% do PIB no Brasil, contra 2,3% na Arábia Saudita e 0,2% na Malásia e na Rússia. Os recursos para fortalecer o mercado de crédito são maiores inclusive do que o montante oferecido pelo banco central australiano (14,9%).