Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Finanças, p. C1

É preciso estabelecer limites para não criar ‘oportunismos’, diz Zeina

Entrevista: Zeina Latif, Economista 


A economista Zeina Latif diz que o Brasil passa por tempos atípicos e, portanto, políticas monetárias não convencionais precisam ser tomadas, mas é preciso estabelecer limites para não criar oportunismos. Ela se refere principalmente à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que confere poderes ao Banco Central para negociar títulos públicos e privados, algo que não é permitido, e deve ser votada hoje no plenário da Câmara.

“Realmente tenho uma preocupação de que, em um país com histórico inflacionário, exista o risco de se usar mal esses recursos”, disse ao Valor. “Não quero dizer que a proposta está errada, mas tenho dúvidas se ela no fim dará mais capacidade para emitir moeda.”

Nas discussões no Congresso, algumas travas estão sendo consideradas. A proposta inicial do BC previa realizar operações financeiras, inclusive com derivativos. A última versão, contudo, incluía apenas títulos públicos e direitos creditórios e títulos privados, no mercado secundário financeiros, de capitais e de pagamentos. Além disso, pelo texto, o Ministério da Economia vai precisar autorizar os montantes desses programas de compra de papéis privados e o Tesouro seria obrigado a aportar pelo menos 25% nessas operações.

Zeina levanta dúvidas sobre como será feita a compra dos títulos privados. Bancos centrais pelo mundo adotam esse tipo de política, a exemplo do americano Federal Reserve (Fed). O instrumento foi explorado fortemente durante a crise de 2008 nos EUA.

“Lá, a compra de títulos privados é ‘horizontal’, isto é, o Fed compra tudo que vem pela frente, mas lá eles podem”, diz a economista, referindo-se à melhor situação fiscal dos Estados Unidos em comparação à brasileira. “Aqui, é um tremendo dilema: se for escolher quais títulos comprar, teremos de estabelecer critérios. E se não escolher, a demanda vai ser enorme.”

Segundo Zeina, uma elevação dos gastos públicos é inevitável neste momento, o que conta com a compreensão dos agentes econômicos. Mas o receio é que todas as demandas por recursos virem “urgentes” diante da pandemia e, dessa forma, o governo fique vulnerável à pressão. “Preferia que não precisasse mexer na Constituição neste momento. Podemos ter remédios que no futuro podem trazer problemas.”

Na crise de 2008, os emergentes não estavam no “olho do furacão”, segundo a economista, o que permitiu uma recuperação da crise em formato de “V”. Já na crise recente, em que cada país está “no olho do furacão”, a recuperação deve ser mais lenta. “Em que pese estarmos com inflação e juros controlados, a crise está dentro de casa agora”, afirmou.