Título: Kirchner mexe para controlar mais
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/11/2005, Internacional, p. A8
Em meio a confrontos com o presidente argentino Nestór Kirchner, o economista Roberto Lavagna, que por três anos esteve à frente do Ministério da Economia, renunciou ontem ao cargo. Em seu lugar, foi nomeada a presidente do Banco de la Nación, Felisa Miceli, aliada do governo e a primeira mulher no comando da pasta. A reforma ministerial, que fortaleceu o presidente ao nomear pessoas com pouca experiência política, atingiu também a chancelaria, a Defesa e o Desenvolvimento Social.
Kirchner pediu a Lavagna que renunciasse durante uma reunião, ontem, na Casa Rosada, depois de rumores sobre sua demissão. O presidente vinha criticando o agora ex-ministro pela alta da inflação.
Na semana passada, Lavagana, por sua vez, disse que o setor da construção civil estava ''cartelizado'' e insinuou que havia corrupção envolvendo o ministro do Planejamento, Júlio de Vido, homem de confiança de Kirchner desde que o presidente era governador da província de Santa Cruz, no Sul do país.
O ex-ministro, foi nomeado em 2002, pelo então presidente Eduardo Duhalde, e confirmado no cargo em 2003, quando Kirchner foi eleito. Renegociou a dívida argentina, deixando de pagar uma dívida de US$ 80 bilhões com investidores estrangeiros. Nos últimos dois anos, foi responsável por um crescimento econômico de 26%. Ao deixar o posto, não confrontou o presidente e fez um agradecimento especial aos argentinos:
- Kirchner achava que devia começar uma nova etapa na economia, e a conseqüência lógica era que colocasse meu cargo à sua disposição - afirmou Lavagna, ressaltando que toda a equipe econômica será substituída. - A sociedade argentina aceitou e entendeu com paciência, resignação e trabalho tantas políticas distintas que propusemos em abril de 2002. Mostrou que a Argentina pode. Viva a Argentina! - acrescentou.
O analista político Daniel Muchnik, do jornal argentino Clarín ressalta que o afastamento se deu pela disputa com Kirchner e não por uma questão de política econômica:
- Lavagna era um homem de muita autonomia no governo e está saindo num bom momento, devido ao crescimento econômico. Já Felisa não terá tanta, o que fortalecerá Kirchner - afirmou ao JB.
A economista, 51 anos, que chegou à presidência do Banco de La Nación (maior entidade financeira do país) por indicação do próprio colega, não tem perfil muito diferente do ex-ministro. Por isso, diz Muchnik, não deverá haver grandes mudanças:
- Os dois têm linhas ideológicas parecidas. Só que Lavagna é mais técnico, um economista que conhece o poder. Felisa permitirá que Kirchner interfira mais na economia.
Uma surpresa da reforma foi a nomeação para o Ministério da Defesa. A ex-embaixadora da Argentina para a Venezuela, Nilda Garré, não tem experiência com militares, segundo o analista. Ela substituiu José Pampuro, eleito senador no pleito legislativo de outubro.
Peronista, militou durante a ditadura, na década de 1970. Aderiu à Frente País Solidário, de centro-esquerda, que formou a Aliança governista, entre 1999 e 2001, com a socialdemocrata União Cívica Radical.
Já a irmã do presidente, Alicia Kirchner, deixou o Desenvolvimento Social para ocupar uma cadeira no Senado. Em seu lugar entra Juan Carlos Nadalich, alto funcionário do Pami, órgão público que gerencia a assistência médica aos aposentados.
Outro que deixou o primeiro escalão do governo devido às eleições parlamentares foi Rafael Biesa, ex-chanceler. O agora deputado será substituído pelo então vice Jorge Taiana.
As escolhas, segundo Muchnik, seguem um propósito:
- Kirchner buscou nomes que pode controlar, com pouca autonomia e experiência política.