Correio Braziliense, n. 21848, 10/01/2023. Política, p. 3

Rastro incalculável de destruição

Ingrid Soares
Raphael Felice
Isabel Dourado
Mariana Albuquerque


Ao chegarem para trabalhar, ontem, horas depois que uma horda de terroristas bolsonaristas passou pelo Palácio do Planalto, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso, os funcionários se depararam com um cenário de desolação. Deram-se com o cenário que, até então, tinham visto apenas pela tevê e redes sociais, mas não in loco. Além de verem um patrimônio artístico e de bens vandalizado ou roubado, entristeceram-se com a infraestrutura da sedes dos Três Poderes destruída, com precárias condições de funcionamento.

As perícias que se realizaram, além de coletar provas contra os criminosos para a devida responsabilização, também serviram para calcular a extensão dos danos aos prédios. Os técnicos não apenas evitaram arriscar cálculos das restaurações, como se furtaram de dar um prazo para que os prédios estejam em plenas condições de uso por aqueles que neles trabalham.

No Palácio do Planalto, os peritos encontraram vestígios de sangue no térreo, próximo às salas e porta do comitê de imprensa. A maioria das vidraças foi quebrada, que arrebentaram até mesmo o chão original de granito — pedaços foram usados como arma de destruição do patrimônio pelos bolsonaristas. Máquinas de raio-x e catracas eletrônicas foram danificadas. Uma grande mesa de madeira que ficava no segundo andar foi usada como escudo pelos terroristas.

No Congresso, o cenário não era melhor. Quadros, obras de arte, esculturas, além de aparelhos como detector de metal, mesas e máquina de raio-x foram destruídos. No Salão Azul, do Senado, o carpete estava encharcado. Em alguns pontos, sentia-se cheiro de urina em meio aos estilhaços. Montes de garrafas d’água vazias e embalagens de lanches que pareciam fazer parte de kits, indicam que houve organização para o ataque terrorista.

Do lado de fora, fios de refletores externos da marquise do Congresso estavam cortados e queimados, o que, segundo a segurança do Legislativo, indicaria que os criminosos estavam tentando causar explosões. A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, avaliou o reparo da infraestrutura da Casa entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões.

“Vamos ter que fazer a troca desse tapete, algo que além de ter valor físico, mexe com a logística, pois toda vez que se troca o carpete tem cheiro da cola. E estamos perto da posse dos novos senadores, em 1º de fevereiro. Tivemos muitos vidros quebrados e temos que trocá-los com muita rapidez”, disse Ilana.

A Câmara divulgou levantamento sobre obras de arte e patrimônio depredados, mas não deu estimativa de valor. A grande depredação se deu no Plenário.

Ódio

Das sedes dos Três Poderes, o ódio maior dos bolsonaristas parece ter sido contra o prédio do STF. O Salão Nobre amanheceu totalmente destruído, com cadeiras reviradas, documentos espalhados e totalmente às escuras — a energia foi cortada para evitar um curto-circuito que danificasse ainda mais a parte elétrica do prédio e houvesse o risco de incêndio.

Os terroristas não pouparam nem mesmo a dispensa de alimento do STF — que foi saqueada. Os danos incluem o chamado Hall dos Bustos, onde havia esculturas de grandes vultos da República, como Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. O brasão da República que orna o Plenário da Corte foi arrancado e uma réplica da edição original da Constituição, roubada.

Entre itens de valor histórico danificados está um tapete que, segundo informações do Supremo, pertenceu à Princesa Isabel, filha do imperador D. Pedro II e responsável por assinar a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no país. Já a porta com o nome do ministro Alexandre de Moraes que os terroristas arrancaram, e cujas imagens compartilharam nas redes sociais, não é a do gabinete do magistrado — percente ao armário que guarda as togas que ele usa nos julgamentos. O gabinete dos integrantes do Supremo fica no prédio anexo, poupado pelos criminosos.

A administração do STF não tinha feito um cálculo dos prejuízos causados na invasão. Por meio de nota, a presidente do STF, Rosa Weber, lastimou que o edifício-sede do Supremo “patrimônio histórico dos brasileiros e da humanidade, foi severamente destruído por criminosos, vândalos e antidemocratas”.

*Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi

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