O Povo, 07/05/2020. Versão on-line

Democracia, pandemia e redes

Jaques Wagner



O isolamento social, consequente da pandemia, mostra como a tecnologia facilita  nossas vidas. De casa, podemos interagir com familiares e amigos, realizar reuniões de  trabalho e nos conectarmos ao mundo. No Senado, temos debatido e votado,  virtualmente, matérias fundamentais para o país. Essas ferramentas têm sido muito  úteis. Porém, precisamos refletir sobre as perdas e os ganhos. Acredito, por exemplo,  que nada substitui o contato humano. E que a troca de ideias fica prejudicada. E  também sobre o quanto a comunicação 4.0 contribui para a corrosão da democracia. 

Há cerca de 50 dias, acendeu o sinal de alerta no Brasil. Fomos orientados a ficar em  casa e tomarmos cuidados para evitar a contaminação. Em 17 de março, foi registrada  a primeira morte no país e assistíamos ao caos já instaurado em outros países, como a  Itália. As notícias da imprensa e das redes eram quase 100% sobre isso. 

No entanto, somos governados por “Os Engenheiro do Caos”, como define Giuliano  Empoli em seu livro com esse título. O presidente segue desafiando a comunicação  tradicional e investindo em Big Data, que facilita seu total descompromisso com a  verdade e seus desafios à ciência e à saúde pública. As ferramentas – utilizadas para  difundir notícias falsas, atacar adversários e confundir a opinião pública – tornaram-se  fundamentais para uma disputa de narrativas que desinforma e atrapalha. Mas logra  êxito aos seus estrategistas, ao dispersar as atenções e diluir informações sobre a  tragédia sanitária que vivemos, agravada pela ação irresponsável e incompetente de  quem governa o país. 

A escalada autoritária também encontra nesse ambiente de rápida difusão de  informações uma terra fértil, ao reduzir assuntos sérios a superficialidade de memes e  incentivar sentimentos de repulsa e violência contra quem pensa diferente. Os ataques  a profissionais de saúde e a jornalistas ilustram isso. 

Precisamos ter a capacidade de compreender essa metodologia que transforma cada  ser humano em dados, nos enclausura num pensamento binário – a favor ou contra – e sufoca a diversidade de opiniões, algo essencial para a sobrevivência de regimes  democráticos. Temos que estar atentos para que as redes sociais não virem redes de  pescadores, nas quais a nossa democracia pode ficar presa numa próxima pescaria.