Correio Braziliense, n. 21849, 11/01/2023. Brasil, p. 6
Para ex-ministro de Lula, Ibaneis Rocha falhou
Entrevista: Cristovam Buarque
Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal e ex-senador da República avaliou como ruim a decisão de Ibaneis Rocha (MDB) ao escalar Anderson Torres como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Convidado da edição desta semana do Podcast do Correio, Buarque classificou como uma provocação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a logística da área onde o novo chefe do Executivo atua, visto que, segundo o ex-governador, Anderson ainda pede conselhos políticos ao ex-presidente.
Sobre os atentados aos prédios dos Três Poderes no último domingo (8/01), Cristovam foi categórico ao afirmar que houve omissão por parte da administração distrital com relação à segurança da área federal.
Cristovam Buarque, que também já foi ministro da Educação entre 2003 e 2004, contou que estava no shopping com o neto no momento em que os ataques aconteciam. Ele sugeriu que, além da segurança de algumas áreas do DF, o governo federal adotasse o financiamento da educação pública brasileira em todos os níveis, para equiparar qualidade e remuneração ao resto do país.
Houve falha na condução da Polícia Militar?
Eu não tenho dúvida de que houve uma grande falha. Tudo isso é fruto de uma falha anterior, que veio dos constituintes em 1988. Lembre que, até 1990, as eleições não eram feitas aqui; o governador era indicado. Em 1988, decidiu-se que passaria a ser eleito. Mas criou-se um problema. O governador tem o mando, o comando da PM, a responsabilidade da segurança para o povo do Distrito Federal. Mas esse comandante da polícia é quem protege o presidente da República; é quem protege as embaixadas; é quem protege as instituições. Em algum momento, ia acontecer um conflito. Eu creio que esse conflito poderia ter sido muito pior, não do que a gente vê, não da destruição, mas do impacto institucional. É preciso ter alguma forma na Constituição que preveja esse comando com essa responsabilidade. Sobre esse caso específico, o governador fez uma provocação ao colocar um ministro do Bolsonaro, um homem que não só era ministro, um bolsonarista dos mais radicais. Ele não poderia ter feito essa provocação. Foi um equívoco grave.
O senhor acredita em omissão dolosa? O doloso eu não me atrevo a dizer, eu teria que ter informações que o ministro (Alexandre de Moraes) provavelmente tem. Houve falta de institucionalidade no caso da escolha de secretário? Sem dúvida alguma e não foi surpresa. A gente sabia quem era. Mas no caso do Ibaneis, para mim é uma surpresa que, embora ele tenha tido durante todos esses anos uma ligação muito estreita com o Bolsonaro, eu vejo ele com a cabeça muito diferente. Eu não comparo de jeito nenhum a Bolsonaro. Ibanez é um advogado respeitado, já foi da OAB, é um cara que, digamos, tem a cabeça aberta, liberal. Alexandre de Moraes determinou a prisão do comandante da PM do DF.
Como avalia a prisão?
Todas essas prisões e ações têm duas maneiras de se ver. Uma é a legalidade. Confesso que não me sinto seguro para falar da legalidade da intervenção, da suspensão do mandato do Ibaneis. Agora, do ponto de vista da institucionalidade, eu acho que o ministro não faria isso levianamente. Se ele mandou fazer isso, é porque tem indícios. Tem informações que permitem dizer que o comandante está envolvido, ou por omissão, ou por ação.
Qual foi o seu sentimento quando viu aquelas cenas no domingo?
Fiquei chocado e não acreditei bem. Sabe onde eu tive a notícia? Eu estava com um neto que está me visitando, ele mora em São Paulo, no shopping e uma senhora me chamou e disse: ‘Já viu o que está acontecendo?’. Aí pegou o telefone dela e mostrou cenas. Na primeira hora, eu não acreditei. Depois fui pra casa e comecei a ver. Aí veio o choque.
Como chegar a um consenso sem que o Distrito Federal perca a autonomia?
Eu não tenho a resposta em detalhes, mas não tenho a menor dúvida de que precisamos fazer alguns gestos para casar a autonomia local com a responsabilidade nacional. O senhor defende a federalização da educação, em todos os níveis. Como seria? Tem que ser nacional.
Criança é uma coisa importante demais para o futuro do país para a gente deixar que seja municipalizada. Mas não há risco de os governadores não aceitarem a federalização?
Olhe, só se não forem nem patriotas nem inteligentes. Patriota porque tem que perceber que é preciso isso. Inteligente porque eles se livram de um abacaxi enorme que é pagar a folha salarial dos professores. Que é cuidar da qualidade do prédio. Que é zelar pela educação.
A União teria competência para cuidar das escolas lá na ponta, nos municípios?
Não, pelo seguinte: o prefeito de uma cidade é diferente da outra, que é diferente da outra, os recursos são diferentes. O governo federal não manda na gestão da escola. Quem manda é a comunidade da escola.
Em um mundo com tanta tecnologia, como manter uma criança em sala de aula?
A criança do futuro não quer mais a aula teatral. Ela quer aula cinematográfica. Foi mais ou menos assim no começo do século XX quando surgiu o cinema. Como é que é o teatro? Um ator, um palco e um cenário. É assim que a escola hoje. O ator é o professor. O cenário é o quadro negro. E as crianças são espectadores. A gente tem que transformar esta escola ambiental numa escola cinematográfica. O professor não precisa nem aparecer ali. Talvez ele apareça na tela. Talvez ele não apareça. Ele vai ser o diretor de um filme. É diretor de uma de uma aula cinematográfica. Onde a gente usa Google, YouTube, entrevista pessoas.
Voltando à política. O que achou da imagem de Lula junto com os governadores?Quando eu vi aquilo, eu fiquei até um pouco emocionado. Mas eu pensei ‘E agora, Lula? Você conseguiu chegar lá e unir’. O Bush teve um pouco isso com as Torres Gêmeas. Ele uniu todo mundo, mas não soube levar adiante. E aí eu tenho uma preocupação.
Todo governador é comandante das Forças de Segurança. Recebe informações de inteligência. É verossímil a versão de que Ibaneis Rocha foi enganado?
Dava para sentir no ar que alguma coisa iria acontecer. Os caras estavam na frente do quartel há 60 dias. O problema é que Ibaneis poderia estar mal informado. Mas ele é quem escolheu o informante dele. (*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza).