O Povo, 26/06/2021. Versão on-line

Uma afronta ao país

Jaques Wagner


A venda da Eletrobras, consolidada pelo Congresso vergonhosamente, coloca em risco a soberania  nacional, o controle do setor elétrico, a gestão de recursos naturais e, especialmente, o acesso à  energia com preço justo. E quem diz isso não é um senador do PT, opositor inequívoco deste  governo. A resistência a essa medida uniu partidos de diversas orientações ideológicas, setores da  indústria, da imprensa e até mesmo alguns sempre favoráveis às privatizações. 

Com lucro de R$ 6,5 bilhões em 2020 e R$ 15 bilhões em caixa, a Eletrobras, com seus indicadores  financeiros, pode alavancar mais R$ 40 bilhões em investimentos. Chama a atenção o fato de que  os militares, que trabalharam pelo desenvolvimento deste patrimônio nacional durante a ditadura,  hoje sejam os protagonistas de sua entrega. 

A proposta coloca as térmicas à frente de fontes mais limpas de energia. Mesmo no Nordeste, com  altos índices de irradiação solar e regime de ventos ideal para geração eólica. Para além do  aumento da conta de luz, que pesará no bolso de consumidores e indústrias, há os impactos  ambientais. O Instituto de Energia e Meio Ambiente projeta aumento anual de 24,6% nas emissões  de gases pelo setor elétrico. 

Federações das Indústrias de SP e RJ alertam que o custo da capitalização sairá muito caro. Na  Comissão de Meio Ambiente do Senado, o ex-ministro de Minas e Energia Nelson Hubner usou  exemplos de EUA e Canadá para mostrar que o Brasil deve passar por um “tarifaço”. E Miriam  Leitão, no jornal O Globo, argumenta que o projeto não faz sentido, pois propõe “construir  termelétrica a gás onde não tem gás nem gasoduto”. 

Com tantos argumentos, é difícil imaginar como esse monstro legislativo foi aprovado. Mas não  surpreende, vide o forte lobby do governo e de empresários, que pensam nos lucros e não na  população já tão deprimida com tanta morte, fome e desemprego. Não ouviram a sociedade e  aproveitaram a pandemia para passar mais essa “boiada”. 

Concluo com frase do atual presidente da República: “a questão da energia elétrica no Brasil, isso  simplesmente é estratégico, é vital. País sério nenhum do mundo faz isso”. Ele disse isso em 2018,  ano em que se elegeu prometendo acabar com a corrupção e defender princípios cristãos. Como  está mais que provado, nada do que ele diz pode ser levado em conta.