Título: Para Igreja, gays são 'narcisistas'
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Fonte: Jornal do Brasil, 30/11/2005, Internacional, p. A7

Na primeira grande decisão do papado de Bento 16, a Igreja Católica divulgou ontem um documento sobre a ordenação de padres homossexuais. O texto desencoraja gays, chamados de ''imaturos e narcisistas'', e considera que só homens que tenham superado uma ''tendência transitória'' há pelo menos três anos podem participar da vida sacerdotal, dando uma chance a quem se ''arrepender''.

Segundo a ''Instrução'', homens com ''profundas tendências'' homossexuais e os que ''apóiam a cultura gay'' não podem ser ordenados. O documento, vazado para imprensa italiana há duas semanas e antecipado pelo JB, foi elogiado por conservadores e criticado por padres liberais e grupos de defesa dos direitos humanos.

Para o sacerdote francês Tony Anatrella, consultado pela Santa Sé para a elaboração do documento, os homossexuais são ''imaturos, narcisistas e manipuladores''. A opinião do religioso foi publicada no jornal do Vaticano L'Osservatore ao lado das novas medidas adotadas.

''A homossexualidade é uma forma de imaturidade profunda da sexualidade humana'', afirma. Segundo Anatrella, os gays tendem a desviar suas funções ''com fins narcisistas'' e a ser ''sedutores''. Além disso, ''adotam condutas afetivas duvidosas, questionam realidades essenciais da vida sacerdotal e criticam ensinamentos da Igreja''.

O tema veio à tona em 2002, com o escândalo envolvendo padres pedófilos na arquidiocese de Boston, nos Estados Unidos. Desde então, a Igreja vem sendo acusada de usar o homossexualismo como desculpa para os abusos sexuais contra menores.

O francês afirma que as novas normas para os seminaristas ''não são uma resposta'' aos escândalos denunciados em vários países, mas um documento que já vem sendo elaborado ''há muito tempo''. Para Anatrella, as denúncias de abusos sexuais mostraram que ''faltou lucidez e sabedoria''.

A ONG Human Rights Watch pediu aos católicos de todas as orientações sexuais que reclamem com os padres de suas regiões. ''Pedimos aos fiéis que pensem o que Jesus faria se visse seus vizinhos sendo tratados dessa maneira'', afirmou a organização, em comunicado.

O arcebispo anglicano Desmond Tutu, da África do Sul, Prêmio Nobel da Paz, considera a Instrução injusta:

- Fazer alguém sofrer punições por sua orientação sexual é o mesmo que puni-las por sua raça ou gênero.

O documento, elaborado pela Congregação para a Educação Católica e lançado sete meses após a escolha de Bento 16, não afeta homens que já são padres, somente os que estão entrando nos seminários para se preparar para o sacerdócio.

Para o padre Thomas Reese, ''alguns advogados canônicos e teólogos vão argumentar que mesmo sob a nova instrução um bispo poderia ordenar um homossexual maduro e celibatário para se tornar padre''.

A linguagem do texto está intrigando até os especialistas:

- A Instrução não usa a palavra 'orientação' para se referir à homossexualidade - diz John Allen, jornalista do Vaticano. - Refere-se a 'tendências', o que sugere que é um impulso que pode ser revertido.