Título: Menos desigualdade via salário mínimo
Autor: Frei Betto
Fonte: Jornal do Brasil, 30/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios, do IBGE, referente a 2004 e divulgada semana passada, ressaltou o peso do salário mínimo na redução da desigualdade social. Ano passado o Brasil teve seu melhor perfil, em 23 anos, quanto à distribuição de renda. Os ricos não ficaram menos ricos. A renda dos mais pobres é que cresceu. Isso se deve, sobretudo, ao aumento do salário mínimo, de R$ 260 para R$ 300, somado ao controle da inflação.

De 1996 a 2004, a renda média dos 10% mais ricos caiu 22,7%. Entre 50% dos trabalhadores mais pobres a renda teve queda de 4,31%. Ou seja, os dois extremos perderam. E a distribuição de renda melhorou, já que os mais pobres perderam menos que os mais ricos.

O Brasil continua a ser uma nação injusta e figura entre as mais desiguais do mundo. Somos 182 milhões de habitantes. Os 10% mais ricos abocanham mais de 44% da riqueza nacional. E os 10% mais pobres sobrevivem dividindo entre si 0,7% da riqueza nacional. Contudo, o pouco que o governo Lula faz na direção dos setores mais pobres já é suficiente para mudar o perfil social do país: fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf); microcrédito; distribuição de renda via Bolsa Família; Fome Zero; aumento do emprego formal etc. O que demonstra que governos anteriores fizeram muito menos.

O governo Lula poderia fazer mais, muito mais. É um carro cujo motorista pisa no acelerador das políticas sociais e, no entanto, a equipe econômica mantém levantado o freio de mão... Fossem os juros mais baixos e menor a gula do superávit primário (de fato, superior a 5% do PIB), o Brasil teria mais recursos para evitar tantas mortes por acidente em rodovias que exigem investimentos; melhorar o atendimento nos hospitais públicos e assegurar tratamento de qualidade a quem depende do SUS; e erradicar o analfabetismo de 14,7 milhões de pessoas acima de 15 anos.

Entre 2003 e 2004, 50% dos trabalhadores mais pobres conseguiram aumento de 3,2% nos salários. Tiveram média de rendimentos no valor de R$ 733. Desde 1997, é a primeira vez que não houve queda. Os ricos (os que têm renda mensal superior a R$ 3.266) tiveram perda de 0,6% em seus rendimentos. Quem mais perdeu foi a classe média. Se em 2004 ingressaram no mercado de trabalho mais 2,7 milhões de pessoas, reduzindo a taxa de desemprego para 9%, a grande maioria passou a receber menos de 3 salários mínimos. Reduziram-se os postos de trabalho mais bem remunerados. De cada 100 brasileiros em idade ativa, 56 trabalhavam em 2004. Isso graças ao crescimento do PIB em 4,9% ano passado.

Segundo o IBGE, o Brasil continua a ser o país dos contrastes. O número de casas com acesso à internet cresceu 11%, funcionam 80 milhões de celulares, mas 31,1% das moradias não dispunham, ano passado, de esgoto sanitário. Entre 2003 e 2004 aumentou em apenas 3,5% o total de domicílios atendimentos por rede de esgoto ou fossa séptica, que favorecem 69,6% das moradias. Reduziu-se o investimento nesse setor.

Em 90,9% dos domicílios há TV, superando o número de rádios, encontrados em 88,1% das moradias. Se rádios e canais de TV são concessões públicas, por que não estendê-las a movimentos populares e sindicatos, ONGs e entidades de utilidade pública, escolas e instituições culturais? Com certeza o telespectador seria beneficiado com muito mais qualidade. E a tarde de domingo não seria tão vazia...

A pesquisa revelou também que quanto menos estudos, menos oportunidade de trabalho. As mulheres têm mais escolaridade que os homens e, no entanto, ganham menos do que eles. Houve universalização do ensino básico. Apenas 2,8% dos brasileiros de 7 a 14 anos estão fora da escola. Porém, a evasão escolar é alta, se considerarmos que 8,9% das crianças e jovens entre 5 e 17 anos estão fora da sala de aula. A freqüência escolar diminui à medida que a idade aumenta.

O número de idosos ultrapassou o de crianças: há 120,1 brasileiros com mais de 60 anos para cada 100 com menos de 5 anos. O índice de natalidade é de 2,1 filhos por mulher, considerado razoável. Porém, quanto menos escolaridade, mais filhos. Quanto mais estudos, menos filhos. E cresce a gravidez precoce nas camadas mais pobres. Daí a importância de campanhas de planejamento familiar.

Para o governo melhorar os índices sociais e econômicos da nação em 2006, o caminho está apontado: o valor do salário mínimo. Com um ex-presidente da CUT no Ministério do Trabalho e um ex-dirigente metalúrgico na Presidência da República, espera-se que ele mereça um aumento significativo.