O Globo, n. 32511, 11/08/2022. Economia, p. 17

Perda de fôlego

Carolina Nalin


A combinação de inflação e juros altos com endividamento das famílias em patamar recorde tem penalizado o desempenho do varejo. O setor ainda fechou o primeiro semestre com alta de 1,4% nas vendas. Mas os dados mais recentes mostram o impacto da conjuntura desfavorável no setor. Na passagem de maio para junho, houve queda de 1,4% em vendas. Na avaliação de economistas, é sinal de que o efeito da reabertura da economia para o comércio — com o retorno das atividades presenciais e da circulação de pessoas — perdeu força antes do esperado.

O IBGE revisou o resultado de maio, de 0,1% para -0,4%, o que indica que o país teve em junho o segundo mês seguido de queda nas vendas.

— Essa perda de fôlego do setores tá bem pronunciada quando observamos os dados por bimestre — diz Cristiano Santos, gerente da pesquisa.

Em junho, as quedas mais intensas foram observadas em tecidos, vestuário e calçados, com queda de 5,4%, e em hiper e supermercados, que têm peso significativo, com retração de 0,5%. De acordo com Santos, os supermercados sofreram de forma significativa o impacto da alta dos preços ao longo do primeiro semestre, um efeito, porém, que não ficou restrito a este segmento. Nove das dez atividades pesquisadas tiveram queda no volume de vendas.

— Olhando o retrato do primeiro semestre, ficou evidente que do efeito circulação não vem mais ajuda. O principal problema é o IPCA na casa dos dois dígitos. O varejo está pagando a conta disso — avalia Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

 Impacto do endividamento

Santos ressalta que a antecipação do 13º salário e os saques do FGTS ampliaram o dispêndio das famílias com o varejo no segundo trimestre, mas os recursos também foram usados para pagar dívidas. Em julho, quase 80% das famílias brasileiras tinham dívidas, o maior patamar dos últimos 12 anos, de acordo com levantamento da CNC.

A única atividade que cresceu frente ao mês de maio foi a de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria. Segundo o IBGE, o aumento está associado aos artigos farmacêuticos e reflete a alta nos preços dos medicamentos.

— Esse é um tipo de produto que, na maioria das vezes, você não consegue substituir. Isso aumenta o dispêndio de uma família que pode ter que gastar nessa atividade e diminuir o consumo em outras — analisa Santos.

No comércio varejista ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, a retração em junho foi de 2,3%. O segmento de veículos, motos, partes e peças registrou queda de 4,1%, enquanto o de material de construção recuou 1%.

De acordo com Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria, os segmentos mais sensíveis ao crédito, como veículos, materiais de construção e outros bens duráveis, já sentem os efeitos do custo de captação pela Taxa Selic e pelo maior risco de inadimplência.

O cenário não é animador para o segundo semestre, que deve emitir sinais mistos. O mês de julho deve apresentar desempenho positivo em função do corte do ICMS, o que deve fazer com que a venda de combustíveis e lubrificantes puxe a alta do varejo no mês.

O desempenho pode ser melhor no segundo semestre, quando a PEC Eleitoral — que amplia o valor do Auxílio Brasil a R$600 e prevê voucher para caminhoneiros e vale-gás até dezembro — deve estimular o consumo no período e ajudar a segurar um PIB positivo às vésperas da eleição.

Mas o efeito dessa medida criada pelo governo não reverte a expectativa de uma economia mais fraca no fim do ano, diz Rodolfo Margato, economista da XP. Após a aprovação da PEC Eleitoral, a XP passou a projetar alta de 0,3% do PIB no terceiro trimestre ante estabilidade:

— Vemos um impacto do aperto da política monetária mais forte a partir da segunda metade do ano. Tem um impulso de renda que age de forma contrária, mas não é suficiente para reverter o processo de arrefecimento da economia, só suavizar.

O Índice de Confiança do Comércio (Icom) do FGV Ibre recuou 2,8 pontos em julho, ao passar de 97,9 para 95,1 pontos. “Inflação e juros em patamares elevados e os baixos níveis de confiança do consumidor devem segurar uma retomada mais consistente do setor”, avalia Rodolpho Tobler, economista do FGV Ibre.

Efeito restrito do auxílio

A CNC estima que, dos R$ 41,2 bilhões injetados na economia com a PEC Eleitoral, R$ 34 bilhões têm potencial para fomentar o consumo entre agosto e dezembro. Enquanto a maior parte deve estimular o setor de serviços, somente R $16,3 bilhões vão para o varejo, oques ignifica 1,1% do total do faturamento esperado para o setor no período.

Bentes avalia que os recursos ajudam no curto prazo, mas “não vai ser via Auxílio Brasil e via voucher caminhoneiro que as vendas do comércio vão bombar ”. E ainda cria um problema para 2023:

— Se a gente está num ambiente de inflação alta como esse, cujo índice segue acima de 10% no acumulado em 12 meses, colocar recursos na praça nesse cenário tende a fazer com que o Banco Central tenha que deixar a taxa de juros alta por muito tempo. E isso pode criar um efeito reverso: o ganho que você tem no curto prazo pode ser anulado.

A CNC reduziu a projeção de crescimento para o varejo este ano de 2% para 1,7% em razão da pressão prolongada dos preços. A consultoria Tendências prevê alta de 1,7% este ano e de 1,1% em 2023, considerando o endividamento em patamar elevado em um quadro de inflação e juros altos.

— 2023 é um ano em que as incertezas e todo o cenário de política monetária devem impactar bem o ritmo de crescimento da atividade — afirma Isabela, da Tendências.