Valor Econômico, v. 20, n. 4974, 03/04/2020. Finanças, p. C6

Coronavírus: o que cada investidor deve fazer?

Carlos Heitor Campani


Fazendo história no mercado mundial de capitais, o novo coronavírus se revelou como a premissa que a grande maioria dos analistas e investidores não considerou. O conhecido risco extremo, ou seja, aquele risco de perdas improvavelmente altas é, na maioria das vezes, subdimensionado pelos modelos matemáticos usualmente utilizados pelos gestores e investidores. Uma coisa é ser improvável, outra coisa é ser impossível.

Há tempos que não se via um movimento tão denso e concentrado no mercado internacional como o acompanhado nas últimas semanas: ouso dizer que jamais vimos algo com a mesma magnitude. Não bastasse a covid-19, a explosão da variação de preços do petróleo por conta do conflito entre Opep e Rússia amplificou ainda mais os efeitos da crise. O índice de volatilidade americano atingiu patamares muito além dos alcançados na crise de 2008 e, por aqui, não foi diferente, abrindo espaço para uma sequência inédita de “circuit breakers” na nossa bolsa. Os modelos de risco precisarão ser repensados. Modelos históricos perdem espaço para modelos teóricos com cauda assimetricamente mais gorda à esquerda (ou seja, para perdas).

O momento é de profunda e consciente reflexão. Ter calma e agir com racionalidade se faz mister. Mas isso não significa dizer que devemos simplesmente “esperar voltar aos preços de antes da crise” como é comum ouvir em vídeos do YouTube.

O primeiro ponto importante refere-se a qual montante ou percentual de seus investimentos deve ir para a renda variável. Dou um exemplo: tenho recebido inúmeras ligações e mensagens de pessoas que estão desesperadas com suas perdas.

Bom, se você está sem dormir por causa das recentes perdas e num nível de estresse que não quer passar novamente, é provável que sua alocação na renda variável foi superdimensionada, ou seja, maior do que deveria ter sido. Provavelmente porque você fez a conta do quanto ganharia e, se fez a mesma conta do quanto poderia perder, fez esquecendo-se de um caso extremo como esse.

Lembro-me de um aprendizado que tive quando criança: só podemos jogar se, caso venhamos a perder, seguirmos vivos e prontos para a próxima. E então, você que perdeu muito, está pronto para a próxima? Se você disser que não, por estar arrebentado financeira e psicologicamente, repense o quanto deve investir na bolsa. A onda de otimismo que aflorava na bolsa brasileira antes do coronavírus talvez tenha escondido de muitos investidores o risco de perdas inimagináveis: este risco está presente, pois o azar sempre tem a sua chance!

“Ahhh, chegamos agora ao fundo do poço e tirar o investimento neste momento representaria aceitar a perda”, alguém pode dizer. Bom, é verdade que as quedas foram grandes e há razões para se argumentar que irracionalmente maiores que deveriam ter sido (efeito manada, posições alavancadas revertidas mandatoriamente etc). Por outro lado e a bem da verdade, ninguém consegue dizer onde será exatamente o fundo do poço. Torço, claro, para que tenhamos chegado já a ele. Mas, de verdade, nem eu nem ninguém pode afirmar isso. Talvez seja improvável a bolsa cair mais 40% ou 50% nas próximas duas semanas, no entanto é importante lembrar: improvável não quer dizer impossível e o risco extremo existe. Ou você ainda duvida?

A segunda ponderação que farei é a respeito das ações que estão em sua carteira. A indicação para se esperar e nada fazer é por demais simplista e irracionalmente míope. Os efeitos da crise são diferentes para diferentes setores da economia e, em consequência, para as diferentes empresas. O investidor deve reavaliar os fundamentos das empresas que compõem a sua carteira.

Caso os fundamentos permaneçam válidos, é possível que este investidor queira se fazer valer de preços baixos, muitas vezes bem abaixo de seus valores patrimoniais e aumentar sua exposição àquelas empresas. No entanto, caso os fundamentos de determinada companhia tenham se deteriorado, esta pode ter sua participação na carteira reduzida ou, por vezes, até anulada.

Observe, caro leitor, que não há soluções e respostas do tipo “one size fits all”. Cada investidor tem um nível de patrimônio combinado com um nível de aversão a risco que podem resultar em sugestões diferentes.

Além disso, objetivos divergentes geram sugestões bastante distintas. Boa sorte nos investimentos!

Carlos Heitor Campani é professor de finanças do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos
E-mail: carlos.heitor@coppead.ufrj.br

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.