Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Política, p. A8
Discreto, Braga Netto atua como bombeiro e gestor
Andrea Jubé
Fabio Murakawa
Matheus Schuch
Uma característica da personalidade do presidente Jair Bolsonaro é a desconfiança obsessiva, ao ponto de afirmar que pessoas de seu entorno lhe enfiaram uma “faca no pescoço” dentro do gabinete presidencial. É nesse contexto que o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, desponta como um dos personagens que Bolsonaro ainda considera insuspeito e a quem ouve atentamente em meio à escalada da crise do coronavírus.
O ministro da Casa Civil não é o “presidente operacional do Brasil”, definição dada por um site comandado por militares da reserva que ecoou na mídia internacional no fim de semana. Mas é ele quem está de fato conduzindo o país no combate à pandemia. Na definição de um auxiliar, Bolsonaro “tem a caneta e a retórica”, mas delegou a Braga Netto a tomada de decisões de governo.
Braga Netto foi uma escolha pessoal de Bolsonaro para rearticular a Casa Civil, esfacelada após a gestão Onyx Lorenzoni. Embora tenha contado com o entusiasmado endosso dos outros generais palacianos: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), foi de Bolsonaro a ideia de trazê-lo para o governo a partir de sua experiência na intervenção no Rio.
Há dois anos, quando assumiu o cargo de interventor da área de segurança pública do Rio de Janeiro, Braga Netto confidenciou aos amigos que era a missão mais difícil de seus 40 anos de Exército - uma trajetória que já lhe havia rendido 23 condecorações nacionais e quatro internacionais.
Agora o general já admitiu aos mais íntimos que o combate à pandemia da covid-19 é uma batalha ainda mais desafiadora.
Há dois anos ele comandava um efetivo de 71.954 policiais civis, militares, agentes penitenciários e bombeiros. Agora ele se equilibra entre a coordenação de 21 ministérios e o papel de anteparo no embate interno entre Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Braga Netto atuou como bombeiro na última semana, depois que Bolsonaro criticou abertamente o ministro da Saúde em uma entrevista à rádio Jovem Pan. O Valor apurou que ele telefonou para Mandetta na sexta-feira, dia seguinte à entrevista, para tranquilizá-lo e continuar fazendo seu trabalho.
Horas após o telefonema, Mandetta apareceu tranquilo na entrevista coletiva diária no Planalto e disse, sobre a possibilidade de pedir demissão, que “um médico não abandona o paciente.”
Nas palavras de um de seus assessores na Casa Civil, Braga Netto tem atuado como um amortecedor na disputa entre Bolsonaro e Mandetta, tentando absorver e atenuar os atritos entre ambos.
Segundo interlocutores, Braga Netto tem uma visão mais moderada do que a de Bolsonaro. Porém, também tem a visão de que Mandetta “extrapolou” na maneira com que expôs discordâncias com o presidente. Assim como outros militares na Esplanada, o ministro da Casa Civil tem uma visão de hierarquia. Crê que seu papel não é tutelar Bolsonaro, por conta de suas declarações polêmicas, mas protegê-lo do próprio comportamento errático.
Um oficial do Exército que se aproximou de Braga Netto durante a intervenção no Rio afirma que, dos três generais do Palácio do Planalto, Braga Netto é a quem Bolsonaro mais ouve.
“Braga Netto é o único que consegue baixar um pouco a bola do Bolsonaro”, diz este oficial. Ele observa que no quadro atual, os generais Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos estariam menos influentes. No Planalto, outras fontes afirmam que Ramos e o ministro Jorge Oliveira seguem no círculo mais próximo do presidente.
Heleno era apontado como o “guru” do governo no início da gestão, mas ao tentar administrar tantas crises, inclusive interpondo-se entre os filhos do presidente, perdeu fôlego.
Ramos chegou com disposição e alinhou-se ao secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, da ala ideológica. Foi chamuscado no frustrado acordo com o Congresso sobre as emendas parlamentares, e agora reergueu-se em uma afinada parceria com Braga Netto.
A escolha de Braga Netto também contribui para a relação institucional com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ambos se aproximaram durante a intervenção no Rio de Janeiro.
Ao Valor, Maia confirmou que é um “admirador do ministro”. Mas a interlocução institucional tem sido feita com o ministro Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação parlamentar.
A dupla Braga Netto e Ramos tem tocado de ouvido. Ambos atuaram juntos no Rio de Janeiro em 2016 na organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Os dois convenceram Bolsonaro a adotar um tom moderado no pronunciamento sobre os desdobramentos da pandemia na terça-feira, em contraste com a fala inflamada da semana anterior.
Um dia depois, entretanto, sob a influência do chamado “gabinete do ódio”, ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (PRB-RJ), o presidente já havia voltado à carga contra os governadores e a política de isolamento social.
Partiu de Braga Netto e Ramos a estratégia de levar as entrevistas coletivas sobre a pandemia para o Palácio do Planalto no esforço de passar a imagem de unidade na comunicação institucional do governo. Ao mesmo tempo, diluiu o protagonismo de Mandetta, que vinha incomodando Bolsonaro, já que ele passou a dividir os holofotes com outros ministros de diversas outras áreas que também estão em campo contra o vírus.
Segundo relatos, Braga Netto, avesso aos holofotes, não queria conduzir as entrevistas. Foi convencido por Ramos e hoje se sente confortável na tarefa.
Há menos de dois meses despachando na Casa Civil, ele montou um gabinete enxuto, com pessoas de sua confiança. Aos 62 anos, mineiro de Belo Horizonte, ele ingressou no Exército em 1975 na Academia Brasileira das Agulhas Negras (Aman). Depois tornou-se doutor em estratégia e alta administração pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, e concluiu pós-graduações na Fundação Getulio Vargas e na Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
“Braga Netto é de trato afável, muito organizado mentalmente, cartesiano, tem ótimo jogo de cintura, e sabe antecipar cenários”, descreve este general da ativa, ligado ao ministro. É discreto e dedicado à família.
Essa qualidade ele já admitiu em uma conversa rápida com o Valor, no refeitório do Planalto: “Meu perfil é de gestão, abaixar a cabeça trabalhar”. O diálogo deu-se em uma das incursões do general ao restaurante dos servidores, onde almoçava diariamente. Na quarentena, o local está fechado, servindo apenas as marmitas individuais. O ministro vai pessoalmente buscar a dele, em vez de enviar um emissário que lhe poderia levar o almoço.