O Globo, n. 32513, 13/08/2022. Opinião, p. 2

Emenda do relator é maior chaga no Orçamento de 2023



O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta semana a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a base para o Orçamento de 2023. Vetou diversos dispositivos do texto aprovado pelo Congresso, mas manteve a maior distorção implementada em seu governo: as famigeradas emendas do relator, também conhecidas pela sigla RP9, mecanismo de compra de apoio político no Congresso popularmente chamado de “orçamento secreto”. Trata-se de uma excrescência que entrega um poder descomunal de alocar gastos nas mãos do comando do Congresso e não encontra paralelo em nenhuma democracia civilizada.

A atual administração ressuscitou esse péssimo instrumento de alocação de recursos públicos, conhecido pelo escândalo de corrupção dos Anões do Orçamento nos anos 1990. As emendas do relator somaram, em 2020 e 2021, R$ 38,1 bilhões, mais da metade do total das emendas parlamentares no período.

Ao contrário das emendas individuais ou de bancada — a que todos os congressistas têm direito e que estão sujeitas a mecanismos mais razoáveis de transparência e controle —, as do relator dependem exclusivamente da vontade do grupo que está no poder no Parlamento. Neste ano deverão ser gastos mais R$ 16,5 bilhões. Para 2023, Bolsonaro manteve o valor mínimo de R$ 19,4 bilhões estipulado na LDO. Seria dinheiro suficiente para garantir quase metade do aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil ou para financiar necessidades urgentes da população.

Até agora, porém, essa dinheirama tem sido gasta sem nenhum critério técnico nem conexão com as prioridades nacionais. Desde que ressurgiram as emendas, as decisões são tomadas a partir de interesses paroquiais. Ergue-se uma ponte aqui, põe-se um asfalto ali, constrói-se um posto de saúde acolá — desde que o deputado cuja base é beneficiada continue a votar com o governo. Mesmo após determinação do Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos beneficiados, a transparência deixa a desejar.

Se o problema fosse apenas a falta de planejamento, já seria uma tragédia num país com tanta necessidade de investimento público e tão poucos recursos. Mas é ainda pior. As portas para a corrupção estão abertas. Indícios de irregularidades não faltam, em especial na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional e usada por líderes do Centrão para distribuir verbas a políticos próximos.

Ao sancionar a LDO, Bolsonaro vetou um dispositivo que poderia diminuir o poder do Congresso. O texto dava ao senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento, e ao deputado Celso Sabino (União Brasil-PA), presidente da Comissão Mista de Orçamento, a prerrogativa de indicar onde e como os recursos de 2023 serão usados. Ao barrar esse trecho, Bolsonaro criou um vácuo sobre as regras de operação. Cogita-se até que o poder de decisão poderá voltar ao Executivo.

Tudo, porém, pode não passar de jogo de cena. O veto, como todos os demais, será examinado pelo Congresso, onde os parlamentares interessados tentarão revertê-lo (provavelmente com apoio da própria base do governo). Independentemente do resultado, uma coisa é certa: a chaga do orçamento secreto persistirá no próximo governo como um dos legados mais nefastos da gestão Bolsonaro.