Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Especial, p. A14

Receita da União pode cair mais de R$ 150 bi

Ribamar Oliveira


As primeiras avaliações feitas pela área técnica do governo apontam para uma brutal queda da arrecadação do governo federal, dos governos estaduais e prefeituras neste ano. Dependendo do cenário considerado para a recessão econômica provocada pelos efeitos do novo coronavírus, as previsões apontam que a queda da receita líquida da União poderá superar R$ 150 bilhões, na comparação com o que está programado no Orçamento, de acordo com fonte credenciada.

As projeções não consideram apenas as receitas tributárias. Haverá queda expressiva também, advertem os técnicos, na arrecadação com royalties do petróleo, com concessão de serviços públicos, com venda de ativos, com dividendos de empresas estatais, entre outros itens.

A projeção da receita com royalties que consta do Orçamento, por exemplo, foi feita com base no preço médio do barril do petróleo em torno de US$ 58 por barril. A cotação do produto está abaixo de US$ 30 por barril. No caso de dividendos, a projeção é de uma receita de R$ 6,5 bilhões, mas o governo não sabe se as estatais federais terão recursos para pagar dividendos ao Tesouro.

Uma das medidas anunciadas pelo governo para o combate aos efeitos negativos do coronavírus sobre as empresas foi o diferimento das contribuições ao PIS, Pasep e Cofins, bem como da contribuição previdenciária patronal, que incide sobre a folha de pagamento. Pela medida provisória, os empresários só pagarão as quatro contribuições relativas a abril e maio em agosto e outubro.

O problema é que ninguém sabe se as empresas terão caixa em agosto e em outubro para pagar os tributos do mês em curso e os atrasados. Se não tiverem, a área técnica do governo estima que haverá perda de cerca de R$ 100 bilhões na arrecadação deste ano. Há também a possibilidade de que o diferimento seja estendido para junho e julho, dependendo da evolução da crise.

A área técnica também prevê uma queda muito expressiva da receita do ICMS, o principal tributo estadual, e do ISS, o imposto dos municípios. A razão para isso é que o setor terciário (comércio e serviços) será o mais afetado. A Medida Provisória 938 concedeu uma ajuda financeira de R$ 16 bilhões aos Estados e municípios. Como também não tem receita suficiente, o Tesouro vai se endividar para obter os recursos.

A ajuda da União é uma forma de compensar a queda esperada na receita do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), que são compartilhados com os governos estaduais e prefeituras, por meio dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e do municípios (FPM). Mas o montante oferecido pelo governo federal poderá ser insuficiente, pois alguns Estados, como o Rio de Janeiro, terão forte queda da receita com royalties do petróleo.

A principal dificuldade para fazer a estimativa de queda da arrecadação, explicaram os técnicos, é que a crise atual “quebra a série histórica” usada para calcular a relação entre a receita e o Produto Interno Bruto (PIB), que é chamada de elasticidade receita/PIB. É com base nessa elasticidade que é estimada a redução da receita quando o PIB cai ou sobe.

Um evento de um grande impacto, como é o caso da crise do novo coronavírus, altera os parâmetros utilizados para projetar o futuro e, dessa forma, os modelos utilizados tendem a ser revistos. Até agora, os modelos utilizados pelo governo indicam que, para uma queda de 1% do PIB, a arrecadação de tributos é reduzida em R$ 7,1 bilhões.

A percepção da área técnica é que essa relação mudou. “Na atual situação, a receita vai cair muito mais do que o PIB”, disse um importante técnico do governo. “Mas ninguém consegue avaliar com clareza o que vai acontecer com a receita”, acrescentou. “Sabemos apenas que ela terá uma queda muito forte.”

No relatório de avaliação de receitas e despesas, relativo ao primeiro bimestre, o governo já reduziu a receita total da União neste ano em R$ 32,7 bilhões, na comparação com a projeção que consta do Orçamento. Isso antes da queda da receita verificada em fevereiro e da crise provocada pelo novo coronavírus.