Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Especial, p. A14
Tesouro testa projeto de securitização de dívidas
Fabio Graner
O Tesouro Nacional iniciou na semana passada projeto piloto que permite a Estados e municípios contrair dívidas junto a bancos, nas quais os bancos poderão securitizar (vender para terceiros) os créditos a receber. Esse tipo de operação era proibida pelo Comitê de Garantias do Tesouro. Agora poderá ser feita se estiver vinculada a reestruturação de parte das antigas dívidas dos entes com bancos e organismos garantidas pela União.
O programa é limitado a R$ 20 bilhões, que dá 7,8% do estoque de R$ 255,9 bilhões (fechamento de 2019) de dívida de Estados e municípios com garantia da União.
A expectativa no Tesouro é que a possibilidade de securitização irá baratear o custo de financiamento dos entes. Isso porque, de acordo com explicações da área técnica do órgão, sem essa possibilidade, as instituições financeiras têm que manter esse crédito na sua carteira por todo o período do contrato, que em geral têm prazos longos.
Com isso, mesmo tendo garantia do Tesouro, os bancos e organismos têm custos para carregar esses créditos em sua carteira até o vencimento, como provisionamento. E acabam incorporando isso aos preços no momento em que definem as taxas para concessão dos financiamentos aos governos subnacionais.
A expectativa é que, com a medida, uma parte de dívidas concedidas entre 2010 e 2014 seja reestruturada em melhores condições. Nesse período, em que as taxas de juros eram bem superiores às atuais, houve forte volume de autorizações da União para os entes federativos se financiarem.
Posteriormente, os volumes autorizados se mostraram acima da capacidade de os Estados e municípios honrarem os compromissos. Com isso, disparou o montante gasto pelo Tesouro para compensar os calotes de Estados e municípios. Entre 2016 e 2019, foram pagos R$ 19,5 bilhões pela União em honras de garantias de operações com inadimplência.
Além de estar associada a reestruturações de dívidas antigas, a autorização para securitização nas operações com os entes federativos tem que obedecer a outras regras. Os financiamentos terão prazo máximo de 20 anos. Também deverá haver alguma indexação ao CDI (que é equivalente à taxa Selic), sem prejuízo de um spread para o banco concedente.
O custo das operações terá que ser menor do que das operações antigas e também deverá ficar abaixo da tabela de custo máximo por prazos que o Tesouro divulga mensalmente. Essa tabela agora tem duas planilhas, uma com e outra sem securitização. Na tabela de março, um empréstimo com duração de dez anos com securitização não pode ter custo superior a 130,57% do CDI.
Com essa autorização parcial para operações de securitização o Tesouro espera uma melhora no perfil de dívida dos Estados e municípios, reduzindo possibilidade de inadimplência. Esse movimento, contudo, pode ser no curto prazo prejudicado pela crise do coronavírus, que tende a deixar os bancos mais retraídos.
A proibição de um uso generalizado da securitização nos créditos aos entes federativos ocorria porque não se acreditava que o nível de desenvolvimento do mercado geraria benefícios para reduzir os custos dos governos regionais. Além disso, buscava-se evitar que os títulos derivados da operação original, que contam com garantia da União, concorressem com os papéis do Tesouro em mercado.