Correio Braziliense, n. 21851, 13/01/2023. Política, p. 4
Para Lula, facilitaram a invasão dos terroristas
Ingrid Soares
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou estar convencido de que as portas do Palácio do Planalto foram deliberadamente abertas, durante a invasão e depredação feitas por terroristas bolsonaristas nas sedes dos Três Poderes, no domingo passado. A suspeita foi levantada no café da manhã que promoveu, ontem, com jornalistas, no Palácio do Planalto.
Lula afirmou que assistirá todas as fitas dos sistema de segurança do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). “Teve muita gente conivente, da Polícia Militar, das Forças Armadas. Estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para que gente entrasse, porque não tem porta quebrada. Significa que alguém facilitou a entrada deles aqui”, acrescentou.
Ele reforçou que ninguém brincará com a democracia e que a Constituição será cumprida a rigor. “A democracia garante o direito de você ter liberdade para tudo, mas ela não te dá o direito de ocupar o espaço do outro. E nós seremos duros, duros em fazer com que a Constituição seja cumprida. Quem vacilar ou brincar, a lei será utilizada para proteger a democracia”, avisou.
Para Lula, é preciso “tirar da cabeça de bolsonaristas a ideia de que são superiores” ao restante da sociedade. Alertou, ainda, que o bolsonarismo extremista segue vivo.
“O bolsonarismo fanático é uma coisa muito delicada porque ele não respeita ninguém — não respeita gênero, idade, nada. Se dão ao direito de ofender todo mundo que não pensa igual a eles”, afirmou, ilustrando o que dissera com o episódio no qual seu advogado, Cristiano Zanin Martins, foi hostilizado por um bolsonarista enquanto escovava os dentes no banheiro do aeroporto de Brasília.
A seguir os principais trechos da conversa.
GLO
Lula explicou a razão de ter se recusado a decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter os atos de terrorismo bolsonarista em Brasília: a medida resultaria em um golpe de Estado por aqueles que estão por trás do vandalismo. Optou intervir na Secretaria de Segurança no Distrito Federal. “Se tivesse feito a GLO, teria assumido a responsabilidade de abandonar minha responsabilidade. Aí, sim, estaria acontecendo o golpe que as pessoas queriam. Lula deixa de ser governo para que algum general assuma o governo. Quem quiser assumir governo que dispute a eleição e ganhe.”
Triagem
Lula afirmou que o Palácio do Planalto estava “repleto de bolsonaristas” e pretende fazer uma “triagem profunda” no prédio. “Estamos no momento de fazer uma triagem profunda, porque a verdade é que o Palácio estava repleto de bolsonaristas, de militares. Queremos ver se a gente consegue corrigir, para que possamos colocar funcionários de carreira, de preferência funcionários civis, que estavam aqui ou que foram afastados, para que isso aqui se transforme em um gabinete civil”. O presidente reforçou que “ninguém suspeito de ser bolsonarista raiz” ficará. “Não pode ficar ninguém que seja suspeito de ser bolsonarista raiz aqui dentro. Também não quero fazer um processo de perseguição porque um dia o cara foi lavajatista. Não. Houve um momento em que a sociedade brasileira foi enganada e tão ludibriada”, disse.
José Múcio
Lula negou a saída do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e disse que permanecerá à frente da pasta. “Quem coloca ministro e tira ministro é o presidente da República. O José Múcio fui eu quem trouxe para cá. Ele vai continuar sendo meu ministro porque confio nele, tenho o mais profundo respeito por ele. Se tiver que tirar cada ministro, na hora que ele comete um erro, vai ser a maior rotatividade de mão de obra da história do Brasil”, afirmou. Múcio vem sendo criticado por ter defendido uma solução negociada para desmobilizar os acampamentos de bolsonaristas radicais em frente aos quartéis. Ao assumir a pasta, ele chegou a dizer que os agrupamentos eram “uma demonstração da democracia”. Afirmou, ainda, que tinha amigos e parentes participando das manifestações.
Forças Armadas
Lula afirmou que as Forças Armadas não são poder moderador e devem seguir o papel definido a elas na Constituição. “As Forças Armadas não são poder morador, como eles pensam que são. Têm um papel na Constituição que é a defesa do povo brasileiro e da nossa soberania contra possíveis inimigos externos. É isso que é o papel das Forças Armadas, que quero que façam bem feito. Por isso que defendo que estejam bem armados, bem treinados”. O presidente afirmou que Bolsonaro conseguiu criar um clima negacionista dentro dos quartéis e que “poluiu as Forças Armadas”. “Esse cidadão conseguiu poluir todas as Forças Armadas. Disse aos comandantes que convivi oito anos muito bem com as Forças Armadas. Não tive nenhum problema. Não quero saber se um soldado votou no Bolsonaro ou no Lula, não quero saber se o general votou no Bolsonaro ou no Lula. O lado deles é o cumprimento daquilo que está garantido na Constituição”, apontou. Lula revelou usar como ajudante de ordens servidores que trabalhavam com ele, pois perdeu a confiança nos militares. “Não tenho ajudante de ordens. Os meus ajudantes são os companheiros que trabalhavam comigo antes. Por que não tenho? Pego o jornal e o motorista do (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general) Augusto Heleno dizendo que vai me matar e que não vou subir a rampa. Como é que vou ter uma pessoa na porta da minha sala que pode me dar um tiro?”, questionou.
Faixa presidencial
Sobre o dia da posse, disse que “a única coisa que não queria” era que Bolsonaro lhe passasse a faixa. “A cerimônia não só foi bonita pela quantidade de gente, pelo simbolismo da alegria do pessoal. Era como se as pessoas estivessem sendo libertadas de um pesadelo. Foi bonita pelo simbolismo do povo colocar a faixa no meu pescoço. A única coisa que não queria era que o Bolsonaro me passasse a faixa”, disse.
Desequilíbrio mental
Lula afirmou que Bolsonaro tem “desequilíbrio mental” por colocar em dúvida o pleito eleitoral. “Até hoje, o cidadão não reconheceu a derrota. Até hoje, coloca em dúvida as urnas eletrônicas, quando, no mundo inteiro, a urna eletrônica é invejada. É um cidadão que tem um problema de desequilíbrio mental. Um cidadão que foi eleito durante tantos anos pelo voto eletrônico e nunca questionou. Ele, agora que perdeu, resolve questionar?”, questionou.
Sem casa
A mudança de Lula para o Palácio da Alvorada segue sem previsão. Isso porque tanto a residência oficial, como a Granja do Torto, passam por reformas. “Não foi possível porque o (ex-ministro da Economia Paulo) Guedes estava morando na Granja. O Torto precisa ser recuperado, parece uma coisa abandonada”, relatou.
Mercado
Lula disse que “o mercado não tem coração” e que é preciso que sejam feitas mudanças na cobrança de impostos do país para que ricos paguem mais. “É preciso fazer com que pessoas mais ricas paguem mais impostos do que os pobres, porque, hoje, os pobres comparativamente pagam mais imposto que os ricos”, disse. O presidente também criticou o mercado financeiro e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Nunca vi a Febraban se reunir e dizer que está preocupada em pegar uma parte dos juros que recebe para ajudar o padre Júlio Lancellotti a cuidar do morador de rua”, lamentou.