Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Empresas, p. B4

Pedidos de reequilíbrio param na Anac

Taís Hirata 


Apenas 10% dos pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro feitos por concessões de aeroportos foram acatados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Desde 2014, foram 81 pleitos e até agora, 73 deles foram analisados, e 8 foram aceitos.

O índice reflete uma situação que, segundo analistas, se aplica também ao setor de rodovias: o reequilíbrio de concessões é um processo difícil, lento e com baixa aceitação pelas agências reguladoras. Para advogados ouvidos pela reportagem, há problemas nas duas pontas: as agências muitas vezes são resistentes e postergam por muito tempo a decisão; mas as concessionárias também têm um histórico de pedidos cuja legitimidade é questionável.

O debate em torno dos reequilíbrios de concessões deverá ganhar força com a crise provocada pela pandemia do coronavírus, que derrubou a movimentação de passageiros principalmente nos aeroportos, mas também em rodovias e trens urbanos.

Há um consenso entre especialistas de que muitas concessionárias afetadas terão direito a recomposição, já que os contratos preveem que o risco é do poder concedente, e não do ente privado, em situações de “força maior”, que não sejam cobertos por nenhum plano de seguro - como parece ser o caso atual. Principalmente em relação aos aeroportos, a expectativa é que dificilmente serão negados pedidos de socorro.

Ainda assim, há temor quanto ao prazo em que isso ocorrerá. O que torna mais grave é a atual situação financeira frágil de diversas concessionárias.

A lentidão na análise é muitas vezes um problema ainda maior do que a decisão em si, avalia Letícia Queiroz de Andrade, do Queiroz Maluf Advogados.

“Há diversos casos em que o direito ao reequilíbrio é reconhecido, mas, quando chega a hora de medir o impacto, a discussão trava. Ou mesmo para definir a forma de reajuste, se por meio de aumento da tarifa, extensão do prazo do contrato, redução das obrigações. São processos difíceis”, afirma.

Em algumas situações, a agência reguladora reconhece o desequilíbrio, mas busca neutralizá-lo com as inadimplências da concessionária, relata André Freire, sócio do Mattos Filho.

“Houve casos em que o poder público começou a aplicar multas e cobrar inadimplementos para abater o valor. É sempre difícil, não me lembro de um processo de reequilíbrio que tenha sido rápido e fácil”, diz.

Do lado da agência reguladora existe também uma preocupação em evitar abrir precedentes, já que, ao aprovar um caso específico, o órgão dá margem para que outros grupos peçam o mesmo, avalia Fabio Falkenburger, sócio especialista em aviação do Machado Meyer.

Os problemas, porém, não partem apenas das agências reguladoras. Para ao menos dois especialistas, que pediram anonimato, parte dos pedidos dos últimos anos vão além do que está previsto no contrato. Há uma certa tentativa de “testar” os limites dos órgãos, diz um deles.

Apesar do histórico conflituoso, existe também uma expectativa de maior flexibilidade no caso da crise da covid-19, em comparação à última crise econômica, em que a responsabilidade sobre a queda de demanda não estava tão clara, afirmam os advogados.

“Os últimos meses mostram um esforço do poder público de trazer maior segurança jurídica e contratual. Acredito que haverá um tratamento racional”, diz Claudia Bonelli, do Tozzini Freire.

A Anac afirmou, em nota, que “vem mantendo conversas com as concessionárias” sobre a crise atual. O órgão destaca medidas de apoio já tomadas, como o adiamento do pagamento das outorgas, além da autorização, por dois meses, para que a operação seja flexibilizada. A agência diz ainda que “a análise considera sempre a comprovação por parte da concessionária e não apenas a alegação de prejuízo futuro” e destaca que os processos são transparentes e abertos ao contraditório.

No caso de rodovias, em que o histórico é ainda mais conflituoso do que em aeroportos, segundo advogados, o impacto do coronavírus na queda de demanda deverá ser menos dramático, porém relevante. Ainda é cedo para dimensionar o efeito, mas as concessionárias já estão em contato com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para relatar os impactos.

A ANTT afirmou, em nota, que o “decreto de calamidade pública é uma situação excepcional, porém os impactos deverão ser avaliados caso a caso”. O órgão diz que a análise dos pleitos de reequilíbrio “é exclusivamente técnica”.

A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) afirma que mantém um “diálogo diário” com as concessionárias, o que deverá levar aos “melhores resultados regulatórios possíveis” ao fim da crise.