Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Finanças, p. C2
Contração de até 5% do PIB acirra debate sobre atuação do BC
Victor Rezende
Lucas Hirata
Arícia Martins
A grave contração de até 5% da atividade econômica neste ano, traçada nos cenários mais pessimistas do mercado, aumenta o debate entre grandes gestores e economistas sobre o papel do Banco Central na recessão. A grande maioria defende novos cortes de juros, mas a intensidade do afrouxamento monetário ainda é alvo de discussão.
No intervalo de apenas uma semana, o Valor observou que 28 instituições financeiras revisaram suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. Todas apontam para uma retração da economia e algumas indicam que o viés é baixista.
Há, contudo, uma dispersão alta nos cenários projetados. Os economistas do Bradesco, por exemplo, projetam uma contração de 1% no PIB este ano “sob a hipótese de que a duração da paralisação e/ou o conjunto de medidas mitigatórias serão suficientes para evitar uma queda mais forte”.
Na outra ponta, está a Pacífico Gestão de Recursos, que espera uma contração de 5,1% no PIB deste ano. “A consequência econômica é muito grande e, sobre a recuperação em si, não estamos muito animados. Temos dificuldade em saber onde está o fundo do poço e tendemos a acreditar que passado o buraco, a recuperação será mais lenta”, disse Eduardo Moreira, sócio-fundador da gestora em “live” promovida pelo Modalmais.
A chegada de uma nova recessão econômica é acompanhada de um cenário de redução do consumo e aumento do desemprego - fatores que devem reprimir ainda mais a inflação neste ano. Os títulos públicos atrelados ao IPCA (as NTN-Bs), por exemplo, projetam inflação abaixo de 2,5% - piso da meta perseguida pelo Banco Central em 2020. A NTN-B para maio de 2021 carrega uma inflação implícita de apenas 1,60%, enquanto o papel para agosto de 2022 traz uma implícita de 2,41%.
Tudo isso aumenta a pressão para que o Banco Central adote novos cortes de juros nos próximos meses. Para o diretor do ASA Bank e ex- secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, o que o Brasil precisa agora é de um alívio financeiro imediato, tanto é que ele chegou a defender há algumas semanas a possibilidade de queda da Selic a zero em caráter emergencial por tempo restrito. O economista afirma que uma política monetária muito conservadora pode resultar num aumento do juro real.
Esse risco se baseia na percepção de que as expectativas de inflação devem cair num ritmo muito intenso, podendo abrir a diferença para o nível da Selic - algo que eleva o juro real e pode ter efeito contracionista na economia. “Se tivesse de escolher entre reduzir a Selic ou atuar no sentido de derrubar a ponta longa da curva de juros, se houvesse esse dilema, minha ideia seria gerar alívio financeiro imediato”, afirmou Kawall em uma “live” organizada pela Mauá Capital.
Na visão do economista-chefe da Legacy Capital, Pedro Jobim, o cenário se mostra desinflacionário e deve fazer com que o IPCA fique em torno de 1% neste ano. Ele, assim, defende que o Banco Central volte a cortar a taxa básica de juros, aliviando a carga financeira das empresas. “Boa parte dos empréstimos que as empresas tomam são pós-fixados, em percentual do CDI. Como não tem inflação, o BC deveria dar sua contribuição para minimizar o dano financeiro às empresas”, afirmou Jobim durante “live” promovida pelo BTG Pactual. Para ele, a Selic deveria ir para a faixa dos 2%.
Entre os economistas da Itaú Asset Management, a percepção é de que os juros poderiam ir ainda mais para baixo, o que serviria como “um choque de juros prudencial”. Em relatório, a gestora compartilhou suas projeções, que contemplam, agora, um cenário de Selic a 1,5% no fim deste ano e a 2% no fim de 2021.
“Uma queda de juros neste momento não funcionaria tanto como estímulo a demanda, mas sim como condição necessária para prover liquidez aos agentes econômicos no período atual e pós crise, de modo a permitir, por exemplo, sobrevivência e manutenção das atividades de empresas que estarão mais apoiadas em crédito neste momento”, dizem.
Para o CEO da Mauá Capital e ex-diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo, a autoridade monetária deveria ser mais agressiva com corte de juros e nas intervenções no mercado de câmbio. “Eu acho que o BC poderia ter mais intensidade, sem definir a taxa de câmbio, mas sem deixar que moeda tenha performance abaixo dos pares”, disse. Já na política monetária, ele destaca que o Brasil e a Rússia são únicos países que não estão reduzindo juros “para valer”.
Já o sócio-fundador da SPX e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Beny Parnes, prega mais cautela e acredita que falar de juros a zero ou a 1% no Brasil traria momentos de “enorme” instabilidade financeira. “Os ativos brasileiros já não são atrativos pelo próprio risco. Para que provocar os deuses do câmbio? Não vejo a menor vantagem”, afirmou durante a live. Ele disse, ainda, que uma Selic mais baixa não daria nenhum impulso novo à atividade via crédito ou consumo da demanda agregada.
“O BC tem um dilema. Olhando a função de reação deles, acredito que eles irão se deparar com um cenário de colapso na atividade e deflação. Vai ser muito difícil resistir à pressão de cortar o juro. Mas acho que, se o juro tiver de cair, que seja com moderação e muita prudência”, afirma Parnes.
A tramitação da PEC tratada como um “Orçamento de Guerra” no Congresso traz a possibilidade de o BC poder comprar títulos públicos e privados. Caso aprovada, o BC terá uma ampliação do arsenal à sua disposição e poderá agir com programas de compra de ativos, com outros bancos centrais de mercados avançados e emergentes têm feito diante dos desafios trazidos pelo vírus A medida é vista como correta pelo economista-chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, dada a excepcionalidade do momento. “Uma vez que o arcabouço estiver mais claro, será importante o BC dar o guidance de como vai ser a estratégia dele”, afirma.