Valor Econômico, v. 20,
n. 4975, 04/04/2020. Finanças, p. C1
BC pede a bancos
informações sobre pagamento de dividendos
Talita Moreira
O Banco Central (BC) solicitou às instituições financeiras que o informem com
antecedência sobre seus planos para o pagamento de dividendos. A autoridade
monetária quer ser comunicada caso haja intenção de distribuir aos acionistas
cifras que superem o percentual mínimo previsto na Lei das S.A. e nos estatutos
sociais, apurou o Valor.
O olhar mais atento vem
em meio a uma discussão mais ampla - e mundial - sobre a remuneração de
empresas a seus acionistas neste ano por causa dos impactos econômicos da
pandemia de coronavírus. No caso específico dos bancos, há uma preocupação dos
reguladores para que as instituições financeiras se mantenham líquidas,
preservando a solidez do sistema.
Na semana passada, a
Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) e o Banco da Inglaterra
(BoE) solicitaram aos bancos de suas respectivas jurisdições que não façam
distribuição de dividendos ou recompras de ações, de forma a preservar uma posição
de capital robusta. O diretor-geral do Banco de Compensações Internacionais
(BIS), Agustín Carstens, também defendeu, entre outras medidas, o congelamento
da remuneração de acionistas dos bancos. O BIS é uma espécie de “banco central
dos bancos centrais”.
A questão ganha
particular relevância porque, no Brasil, as instituições financeiras se
tornaram grandes pagadoras de dividendos. Os quatro grandes bancos de capital
aberto - Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil (BB) -
distribuíram aos acionistas o total de R$ 52,2 bilhões no ano passado. A cifra
corresponde a 67% do lucro líquido contábil somado desses bancos em 2019, ou a
60% do resultado ajustado.
Questionado pelo Valor
se havia emitido alguma orientação às instituições financeiras sobre o
pagamento de dividendos neste ano, o BC informou, por meio da assessoria de
imprensa, que não comentaria o assunto.
Até agora, não houve
nenhuma sinalização nesse sentido, de acordo com fonte ligada a um banco de
grande porte. Houve apenas um pedido para que qualquer decisão de
pagar proventos acima dos mínimos legais ou regulatórios sejam comunicadas
previamente à autoridade.
No Brasil, a legislação
societária determina um piso de 25% para o pagamento de dividendos. Porém, boa
parte das companhias de capital aberto prevê, em seus estatutos sociais,
políticas de remuneração mais generosas com seus acionistas.
O Bradesco, por exemplo,
determina em estatuto o pagamento de 30% do lucro líquido a acionistas. Outros
bancos, apesar de manter em seus regulamentos a previsão legal, distribuem
quantias bem maiores aos investidores.
Nesse quesito, nenhum
deles supera o Itaú. Embora não haja essa previsão no estatuto, a instituição
estipulou como política, nos últimos três anos, pagar aos acionistas tudo o que
exceder o necessário para manter o capital de nível 1 em 13,5%. O capital de
nível 1 é composto, basicamente, pelo patrimônio dos acionistas e pelos lucros
retidos. Na rodada mais recente, a remuneração do banco a investidores
correspondeu a 66% do resultado recorrente de 2019.
O pagamento de
dividendos dos bancos aumentou após a crise econômica brasileira mais recente.
Depois de absorver um grande volume de calotes, as grandes instituições
financeiras foram revertendo as provisões contra perdas, mas o crédito -
atividade que consome capital - demorou a se recuperar. Sem ter onde colocar
esses recursos, os bancos acabaram optando por distribuir o volume excedente a
seus acionistas.
Agora é diferente. Além
de estar claro que a crise do coronavírus vai afetar negativamente o crédito e
elevar a inadimplência, está dimensionar o tamanho e a duração dos
problemas. Não é mais uma questão apenas de risco, mas também de liquidez.
No crédito, o risco
disparou, e não está circunscrito apenas às grandes companhias, como se viu na
crise passada. Ao contrário, a paralisação das atividades atinge em cheio as
pequenas e médias empresas e as pessoas físicas - segmentos em que os grandes bancos
depositaram boa parte de suas fichas de 2017 para cá.
Antes do coronavírus,
analistas já previam um ano de resultados mais magros para os grandes bancos.
No novo cenário, nada ficou mais fácil.