Título: A angústia de um 'animal político'
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 01/12/2005, País, p. A5

O grito de guerra ''Vamos para a luta no Plenário'', logo após a decisão de ontem do Supremo, não saiu da boca de José Dirceu por acaso. Funcionou como uma espécie de voz automática de comando para tentar espantar o fantasma representado pelo temido desenlace, que nunca esteve tão próximo: a perda do mandato, com a imposição do ostracismo a quem dedicou toda a vida a fazer política. Forte sotaque mineiro, orador sofrível, olhar sempre desconfiado, temperamento reservado, o deputado nunca se destacou por ser um condutor das massas. O trabalho de organização e articulação - dentro e fora do PT - tomava quase todo o seu tempo nos últimos anos. E se constituiu também no principal ponto de conflito com os inimigos petistas internos, que o acusavam de comandar a posição ''eleitoralista''. Em outras palavras: queria fazer o partido chegar ao poder a qualquer preço. O escândalo do mensalão deixou claro que a frase se tornara literal. Mais do que isso. O que seria o pulo do gato se transformou na guilhotina política do principal artífice da vitória de Lula.

Incensado como aliado leal, merecedor de um cheque em branco de Lula, Roberto Jefferson foi o principal personagem de um ''acidente de percurso'', que detonou a crise e tumultuou a carreira de Dirceu. Flagrado no contrapé, em um dos muitos episódios do loteamento da máquina governista, e se sentindo abandonado pelo Planalto, o deputado do PTB decidiu que não iria sozinho para a fogueira. Anunciou pomposamente a Dirceu que o seu calvário estava apenas começando. O então chefe da Casa Civil foi apresentado como o principal mentor de todo o esquema de cooptação política delineado a partir da fita que flagrou a propina nos Correios.

Foi no calor da crise que emergiu a controvertida personalidade do ex-ministro: os adversários não economizavam termos pejorativos: autoritário, stalinista, frio e calculista, adepto da tese de que ''os fins justificam os meios''. Em resumo: um autocrata soviético fora de época. Quando, na Comissão de Ética da Câmara, negou ser arrogante, a reação foi uma explosão de risos. Ao tentar convencer a Nação de que nada tinha a ver com o escândalo do mensalão, a reação majoritária foi de completa incredulidade.

Antes, já provocara reações de impaciência e indignação de companheiros do PT, aos quais não dava confiança quando traziam informações sobre o passado pouco recomendável de aliados escolhidos para postos estratégicos da máquina pública. A deselegância de deixar horas esperando o deputado Fernando Gabeira apressou a saída de um dos parlamentares mais críticos em relação aos rumos tomados pelo partido. ''Há limite para tudo'', foi a frase de despedida de Gabeira.

José Dirceu, que vai completar 60 anos em março, nasceu na pequena cidade de Passa Quatro, no Sul de Minas, e é formado em Direito, com pós-graduação em Economia. Mudou-se para São Paulo em 1961, entrou para a PUC em 65 e no mesmo ano já estava na política estudantil. Foi logo eleito vice-presidente do Diretório Central de Estudantes e em 1967 chegou à direção da União Estadual de Estudantes. Preso durante o 30º Congresso da União Estadual de Estudantes, em Ibiúna, próximo a São Paulo, em 1968, foi libertado em 1969, por estar na lista exibida pelos seqüestradores do embaixador americano, Charles Elbrick.

Foi para a França, depois esteve em Cuba, conheceu Fidel Castro e em 1975 fez manobra arriscada: submeteu-se a uma operação plástica, ganhou um nariz adunco e se transformou no comerciante Carlos Henrique Gouveia de Mello. Com essa falsa identidade chegou a Cruzeiro do Oeste, no interior paranaense, conheceu uma moça da cidade, não lhe revelou a sua história, casou e teve um filho. Em dezembro de 1979, beneficiado pela Lei da Anistia, retornou a São Paulo - deixando em Cruzeiro do Oeste a mulher e o filho.

O processo de redemocratização possibilitou a retomada dos estudos e da vida política. Concluiu o curso de Direito e teve diversos cargos no PT. Em 1986, o primeiro mandato, o de deputado estadual, em São Paulo. Em 1990, depois de ativa participação na campanha presidencial de Lula, elegeu-se pela primeira vez deputado estadual. Candidato ao governo de São Paulo, em 1994, obteve 2 milhões de votos.

A partir de 1995, já na presidência do PT, sua história se confunde com a polêmica transformação do partido, mais aberto a alianças heterodoxas e disposto a chegar, enfim, ao Poder Central. No Planalto, virou uma espécie de Primeiro-Ministro de Lula. Como evoluiu (ou involuiu) essa complexa relação com o poder é o que o ex-ministro promete ditar ao jornalista Fernando Morais, em livro-depoimento