Valor Econômico, v. 20, n. 4975, 04/04/2020. Finanças, p. C2
Campos Neto vê país em ‘estado de guerra’ por vírus
Lucinda Pinto
Arícia Martins
O Brasil não está atrasado na tomada de medidas para conter o impacto do novo coronavírus, afirmou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Estamos em estado de guerra, estamos aprendendo ainda. Pediria paciência, o momento é de união, temos um inimigo comum e invisível”, disse o chefe da autoridade monetária brasileira durante apresentação com transmissão ao vivo pela internet promovida pela XP Investimentos, no fim de semana.
Segundo o presidente do BC, a autoridade monetária tem atuado para garantir liquidez no sistema financeiro e condições estimulativas à economia. Na apresentação, ele destacou que as medidas tomadas pela autarquia têm objetivo de liberar capital e liquidez aos bancos e direcionar esse capital a lugares “problemáticos”, para que o mercado funcione melhor e reaja mais rápido.
“O Banco Central se antecipou muito à crise e fez medidas fortes”, afirmou o presidente do BC, lembrando que houve muitas críticas sobre a velocidade de anúncio do pacote de estímulo. “As medidas de liquidez são mais rápidas, mas as fiscais demoram mais mesmo”, acrescentou. Segundo Campos Neto, vários países ainda estão nesse processo de elaboração de medidas, até porque estão atrás do Brasil na curva de contaminação. “Temos potencial de injeção de liquidez de R$ 1,216 trilhão, o equivalente a 16,7% do PIB”, destacou.
O presidente do BC afirmou também que o impacto da crise gerada pela pandemia de coronavírus na economia é maior e mais incerto do que o observado na crise financeira. A crise de 2008, disse Campos Neto, era de alavancagem no sistema bancário. Já a atual começou no lado da oferta e passou para a demanda, com choques também na parte de mão de obra.
“No fim de fevereiro e começo de março, o debate era sobre como seria o choque de oferta [no Brasil], porque as pessoas começavam a quantificar que essa ruptura da cadeia produtiva na Ásia ia comprometer a produção brasileira porque os insumos não iam chegar. Depois vimos que foi muito mais do que isso”, ponderou. O setor de serviços, que tem peso de cerca de 70% no PIB no país, deve ser o mais impactado. “Estou há semanas sem cortar o cabelo. Quando eu for cortar, não vou cortar duas, três vezes. É um consumo que se perdeu”.
Com grande parte das capitais fechada, o custo econômico será grande, afirmou Campos Neto, mencionando o indicador Cielo de varejo que mostrou uma queda de mais de 80% na última semana. Na China, observou ele, o impacto negativo no varejo foi bem menor, em torno de 20%.
O país asiático começou a se recuperar, mas em economias desenvolvidas, o “lockdown” deve ser estendido, disse o presidente do BC, que contou ter se reunido com outros banqueiros centrais na última semana. “Vamos começar a ver downgrades em países desenvolvidos, principalmente de ‘investiment grade’”, previu.
Nos países emergentes, a saída de recursos estrangeiros é maior do que em 2008, e em alguns casos, 10 a 15 vezes maior, observou. No Brasil, a bolsa teve a maior perda comparada a outros países, e o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou. O sistema financeiro brasileiro, no entanto, está “capitalizado, provisionado e líquido”, disse o presidente do BC.
Campos Neto também observou que a alta dos juros futuros de longo prazo, vista nas últimas semanas, aconteceu devido ao aperto de liquidez provocado pelo ambiente de grande incerteza. E não está relacionada, portanto, à gestão da política monetária. “Olhando a crítica que tem sido feita, como quando houve liberação do compulsório, o que tem acontecido é um prêmio de liquidez, não é de juros. Nós reduzimos a Selic.”
O BC tem sido criticado por alguns analistas, que defendem redução ainda mais forte dos juros. “A comparação com México ou com os EUA não é totalmente coerente, são países que têm trajetória fiscal diferente”, afirmou.