O Globo, n. 32516, 16/08/2022. Política, p. 8
Posse de Moraes reúne rivais, Defesa e TSE
Mariana Muniz
Jeniffer Gularte
Jussara Soares
No primeiro dia de campanha oficial da disputa eleitoral deste ano, as atenções devem se voltar para uma cerimônia em Brasília na noite de hoje. Os principais candidatos ao Palácio do Planalto estarão juntos para prestigiar a posse do ministro Alexandre de Moraes como novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O evento deve marcar o primeiro encontro público entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lideram a corrida presidencial. Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União) também são esperados.
Lula e Bolsonaro devem ocupar espaços separados na solenidade. Como chefe do Poder Executivo, o presidente ficará na mesa de autoridades, ao lado de Moraes e outros ministros da Corte, enquanto o petista deverá ficar no espaço reservado aos ex-presidentes no plenário do auditório do TSE, junto aos demais convidados.
O encontro de hoje, considerado inédito por aliados de ambos, poderia ter ocorrido há 20 anos. Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo de 2002 relata uma tentativa de audiência de Bolsonaro com Lula em dezembro daquele ano, na Granja do Torto, quando o petista ainda montava sua equipe que assumiria o governo no mês seguinte. Segundo a reportagem, a intenção do então deputado federal, que apareceu de surpresa, era sugerir o nome de Aldo Rebelo — na época no PC do B — para o Ministério de Defesa. Após esperar por 45 minutos, o hoje presidente da República foi embora sem ser recebido. Nos dois mandatos de Lula, Bolsonaro era deputado, mas não há registros de audiência entre os dois.
A solenidade no TSE também deve marcar outro encontro — neste caso reencontro — entre dois desafetos: o da ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-vice, Michel Temer, a quem ela acusa de ter tramado seu impeachment, em 2016. Como mostrou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, os dois confirmaram presença no evento de hoje à noite. José Sarney e Fernando Collor completam o time de ex-presidentes que prestigiarão a posse de Moraes. A exceção será Fernando Henrique Cardoso, que por motivos de saúde não viajará a Brasília, mas enviará uma mensagem a Moraes.
Além do feito de promover a reunião histórica de presidente e ex-presidentes — Bolsonaro e Dilma também jamais estiveram no mesmo local —, a posse de Moraes no TSE terá a presença de ao menos 21 governadores e de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Prefeitos, deputados e senadores também são aguardados no evento, cuja lista de convidados ultrapassava os dois mil nomes.
Ministro da Defesa
Para ministros do TSE ouvidos pelo GLOBO, a grande adesão de autoridades à posse de Moraes demonstra prestígio político tanto do TSE quanto do novo presidente da Corte, num momento em que o sistema eleitoral tem sido desacreditado. Ministros com quem Moraes discutiu o tom do seu discurso afirmaram que a expectativa é que seja um pronunciamento “objetivo e firme”, abordando a questão dos ataques às urnas e ao sistema eleitoral e as fake news.
À frente dos questionamentos ao sistema eleitoral feitos nos últimos meses pelo Ministério da Defesa, o ministro Paulo Sérgio Nogueira também confirmou presença, como revelou a colunista Bela Megale, do GLOBO. O ministro despontou nos últimos meses como uma linha acessória de Bolsonaro ao levantar dúvidas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas. O presidente tem usado sugestões enviadas pelas Forças Armadas para dizer, sem provas, que há vulnerabilidades nos equipamentos, usados desde 1996 no país sem nunca ter havido um caso de fraude comprovado.
Com a aproximação da posse de Moraes, Nogueira passou a se comunicar com o magistrado. Ele e membros do governo acreditam que há chances de, como presidente do TSE, o ministro acatar sugestões dos militares sobre as urnas que ainda não tiveram adesão da Corte.
Diante do elevado número de autoridades, a Corte preparou um reforço na segurança. Por questões de logística, o número oficial do efetivo policial não pode ser informado, mas a estimativa feita por interlocutores do TSE é que haja ao menos o dobro de membros da equipe de segurança a postos durante o evento. O evento ocorrerá no plenário principal do TSE, com capacidade para 500 pessoas. Por isso, o cerimonial da Corte já trabalhava ontem na disposição de cadeiras extra.
Relação com Bolsonaro
Na avaliação de interlocutores do TSE, a solenidade terá um forte caráter simbólico por ocorrer no dia em que será iniciada oficialmente a campanha eleitoral. Alvo de ataques por parte de Bolsonaro, Moraes assume o TSE com a expectativa de condução implacável nos casos de fake news durante as eleições.
Nos últimos dias, no entanto, sinais foram enviados por parte de emissários do Planalto de que a crise entre o presidente e o ministro pode cessar. Já no dia da entrega dos convites da posse, na semana passada, o tom cordial da conversa entre ambos e a promessa de comparecimento de Bolsonaro foram lidos como uma mudança na relação.
Indicado para o STF em 2017 por Temer, Moraes entrou na Corte na vaga aberta pela morte do ministro Teori Zavascki, vítima de um acidente aéreo naquele ano. Na época, ele ocupava o cargo de ministro da Justiça do governo do emedebista.