Correio Braziliense, n. 21852, 14/01/2023. Política, p. 4
Dino: minuta prova orquestração
Victor Correia
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, atualizou, ontem, as ações que estão sendo tomadas pela pasta para investigar, punir e prevenir atos extremistas por parte de apoiadores de Jair Bolsonaro. De acordo com ele, as apurações apontam para uma cadeia de autores, financiadores e incitadores que nem estavam em Brasília, mas que contribuíram para a tentativa golpista.
O elo supostamente inclui o ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres, que deixou o país na véspera das manifestações e que é acusado de ter sabotado o comando da operação de segurança.
Em coletiva após solenidade no Palácio da Justiça — em que homenageou forças de segurança envolvidas na operação de defesa da democracia (leia reportagem na página 13) —, Dino comentou a minuta de decreto presidencial encontrada durante operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal na casa de Torres, bem como a expectativa de que o ex-secretário se apresente à Justiça.
“Tivemos o anúncio pelo sr. Torres, dizendo que iria se apresentar. Não houve ainda apresentação da data, mas vamos aguardar até segunda-feira. Desejamos que isso ocorra”, afirmou o ministro. “Caso isso não se confirme, por intermédio dos mecanismos de cooperação jurídica internacional, vamos deflagrar um pedido de extradição. A determinação que eu emiti ao dr. Andrei (Passos, diretor-geral da PF) é de que haja esse procedimento”, acrescentou.
A minuta encontrada na casa de Torres tinha por objetivo decretar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) para mudar o resultado das eleições. “A apreensão do documento em si mesma já é um fato relevante. É claro que isso constará no inquérito policial, porque configura ainda mais cabalmente uma cadeia de responsáveis pelos atos criminosos”, enfatizou Dino. Torres, por sua vez, alegou que a minuta estava em uma pilha de papéis que seria descartada.
Questionado sobre possível participação de Bolsonaro nos atos terroristas, ou em tentativas de golpe de Estado, Dino respondeu que “o Ministério Público Federal (MPF) solicitou que as investigações se refiram ao sr. Jair Bolsonaro”. “Não temos elementos ainda para afirmar que o sr. Bolsonaro é investigado, formalmente falando. Poderemos ter? Em tese, sim, claro.”
Os mais de mil celulares encontrados com os bolsonaristas presos por participação direta no vandalismo estão passando por uma extração de dados. A intenção é avaliar vídeos, fotografias, mensagens e outros materiais que possam ligar os detidos aos atos criminosos de domingo. Peritos também coletaram amostras de DNA dos presos, que serão comparadas com materiais genéticos encontrados nas cenas de depredação, o que também podem estabelecer vínculos entre os suspeitos e os crimes.
O Ministério da Justiça trabalha, ainda, na investigação sobre membros das forças de segurança que podem ter facilitado a entrada dos bolsonaristas nos prédios públicos. “É indiscutível, a estas alturas, que houve algum tipo de adesão de forças de segurança. Infelizmente, envolveu a participação, voluntária ou por omissão, de agentes de segurança pública distritais ou federais. Adesão de alguns, vejam, não de todos”, explicou Dino.
O ministro questiona se a adesão foi fruto de uma orientação prévia ou um “gesto de simpatia” de integrantes das forças pelo ex-presidente. No âmbito federal, as apurações estão sendo conduzidas pela PF. No distrital e nos estados, pelas corregedorias das próprias corporações.
Sobre possível participação de membros das Forças Armadas — como os da Guarda Presidencial, responsáveis por defender o Palácio do Planalto —, o ministro afirmou que a competência das investigações é apenas das três instituições, a menos que haja determinação em contrário da parte do Supremo Tribunal Federal (STF).
Acusações
Dino rebateu acusações de parlamentares bolsonaristas de que o governo federal se omitiu ou demorou a reagir ante a invasão da Esplanada. O deputado federal diplomado Nikolas Ferreira (PL-MG) pediu ao STF a prisão do ministro por suposta omissão intencional e alegou que a pasta já estava ciente das depredações antes dos fatos, inclusive por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A solicitação foi arquivada, ontem, pelo ministro Alexandre de Moraes.
“Esse relato da Abin é ficcional. Todas as providências cabíveis ao Ministério da Justiça foram tomadas. Todas. Houve planejamento com as instituições federais”, declarou. “Antes da invasão, era impossível colocar a PF aqui, seria ilegal. Era impossível colocar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) aqui, seria ilegal. E seria impossível colocar a Força Nacional sem autorização”, frisou.
Ele relatou que viu, da janela no Ministério da Justiça, a invasão aos prédios públicos e que imediatamente redigiu um pedido de intervenção militar. O documento, segundo disse, foi enviado ao presidente Lula, que estava em Araraquara (SP) e o assinou. O processo, conforme o ministro, demorou menos de uma hora.