Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Brasil, p. A5

Ministros tentam reverter mal-estar

Cristiano Zaia
Lu Aiko Otta 


Diante da sequência de críticas ofensivas à China por parte do governo e seu entorno, coube aos ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura) a tarefa de tentar reverter o mal-estar com Pequim e evitar futuras retaliações comerciais, que não são descartadas por fontes do governo.

Nos ministérios da Agricultura e da Economia declarações contrárias à China, como a feita nas redes sociais do ministro da Educação, Abraham Weintraub no último sábado, e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no dia 19, são classificadas de “desastre”. Além de sustentarem o comércio exterior brasileiro num cenário de queda generalizada, as exportações para a China são vistas como ponta de lança para a recuperação econômica do Brasil.

Esses alertas têm sido feitos por Tereza Cristina e Guedes, mas a ministra tem sido mais veemente, por seu contato com o setor de agronegócios e com grupos políticos que foram importantes para a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Ela chegou a ligar para o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, após o filho do presidente ter insultado o país asiático. Na ocasião, segundo interlocutores, a ministra afirmou que Eduardo não tinha cargo no Executivo e por isso não representava o governo. “Isso é página virada”, disse ela ao embaixador, que assumiu posto no fim de 2018 e tem se irritado com declarações contra seu país.

Mesmo decorridas duas semanas, fontes do governo relatam que, desde então, as relações com a China “azedaram”. Por isso o alerta ligado do governo e a atenção redobrada dos dois ministros, num momento em que o setor exportador acreditava que a poeira havia baixado na tensão com a China.

Ainda assim, técnicos estimam ser possível que, no primeiro quadrimestre do ano, as exportações para a China ultrapassem o dobro da soma das vendas para os Estados Unidos e para a Argentina. O gigante asiático já é o principal destino das commodities agrícolas brasileiras, por exemplo.

Os dados do primeiro trimestre estão próximos disso. De janeiro a março, as vendas acumuladas para a China somam US$ 14,2 bilhões, enquanto as para os EUA chegaram a US$ 5,2 bilhões, e as par  e as para a Argentina, US$ 2,2 bilhões.

As variações do comércio mostram crescimento da importância da China como destino para exportações. No primeiro trimestre, as vendas para lá aumentaram 7,36%, enquanto para os Estados Unidos houve queda de 19,31% e, para a Argentina, recuo de 6,89%. No total, as exportações brasileiras somam US$ 49,5 bilhões, queda de 3,22%.

Só em março, quando medidas restritivas à atividade econômica se generalizaram, as vendas para a China avançaram 12,55%, ante recuo de 7,59% dos Estados Unidos e queda de 3,15% para a Argentina.

Ainda não há dados separados por país para abril. Mas a venda de alimentos segue forte. A média diária de exportação de produtos agropecuários cresceu 67,1% na comparação com a de abril de 2019. Também considerando a média por dia, as vendas de soja, principal produto importado pela China, aumentaram 80,2%.

As exportações de alimentos não só dão sustentação à balança comercial brasileira como também despontam como o passaporte para a recuperação da economia quando o pior da crise passar. Esta é a leitura que vem sendo feita internamente no governo.

Segundo a visão dos técnicos, o comércio mundial está em queda, mas não de forma homogênea. E as vendas de alimentos, como soja e carne, têm mostrado resiliência diante da crise.

A China, por haver entrado no “túnel” do coronavírus antes, já começa a retomar suas atividades. Uma retomada rápida elevará ainda mais a demanda e favorecerá países produtores de alimentos como o Brasil.

Ao despertar má vontade entre os chineses, o Brasil corre maior risco de ver prejudicadas suas exportações de maior valor agregado. Quanto mais específico é o produto, maior é a discricionariedade do importador em escolher seus fornecedores.