O Globo, n. 32517, 17/08/2022. Política, p. 4

Recados da posse

André de Souza
Mariana Muniz
Jussara Soares
Bruno Góes
Jeniffer Gularte


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes assumiu ontem a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, de frente para um plenário lotado de autoridades das mais variadas matizes, saiu em defesa da democracia e criticou duramente a propagação de discursos de ódio e de notícias falsas. O magistrado, que comandará a Corte durante as eleições deste ano, foi longamente aplaudido ao afirmar que o sistema eleitoral brasileiro é um orgulho para o país.

No momento mais emblemático de seu discurso, o novo presidente do TSE condenou os ataques às instituições e deixou claro que as liberdades individuais não podem servir de subterfúgio para agressões e intimidações.

— Eu não canso de repetir: liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, e das instituições, e da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos — afirmou ele.

Ao reiterar seu posicionamento a respeito do tema, Moraes deu um recado ao presidente Jair Bolsonaro (PL), presente na solenidade, embora não o tenha citado nominalmente. Com frequência, o titular do Palácio do Planalto e seus aliados desferem ataques a representantes de outros Poderes, sobretudo ministros do Judiciário, e alegam que estão apenas exercendo o direito à livre manifestação. O magistrado evitou polemizar com os militares e não fez qualquer menção às Forças Armadas em seu discurso.

Em outro trecho, Moraes destacou a eficiência do sistema eleitoral com um dado objetivo:

— Somos 156 milhões de eleitores aptos a votar. Somos uma das maiores democracias do mundo em termos de voto popular. Mas somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados no mesmo dia, com agilidade, segurança e competência. Isso é motivo de orgulho nacional — afirmou Moraes, que na sequência, foi aplaudido de pé. Bolsonaro, porém, se manteve imóvel.

A cerimônia atraiu uma quantidade raramente vista de autoridades de variadas correntes e instituições. Na tentativa de reforçar que pretende cultivar um ambiente de diálogo durante sua gestão, Moraes convidou para a posse os principais candidatos ao Planalto para o evento, assim como os ex-presidentes da República. Além de Bolsonaro, estiveram presentes o ex-presidente Lula (PT), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), e a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Também compareceram os ex-presidentes José Sarney, Dilma Rousseff e Michel Temer. Somente Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso não foram. FH, porém, enviou uma carta a Moraes em que o classificou como “a pessoa certa no momento certo”.

A reunião de tantos personagens de diferentes momentos do cenário político nacional permitiu encontros inusitados. Bolsonaro, sentado à mesa das autoridades, ficou frente a frente com seu principal adversário na corrida ao Planalto, Lula, instalado na primeira fileira da plateia. O petista, por sua vez, conversou com Temer, desafeto declarado de Dilma, que acusa seu ex-vice de golpe por ter articulado a aprovação de seu impeachment (leia mais detalhes abaixo).

Aceno às embaixadas

Moraes ocupará a presidência do TSE durante as eleições deste ano, marcadas para outubro. Antes mesmo de assumir o posto ele já havia prometido uma atuação rigorosa para combater notícias falsas. O tribunal e seus ministros são alvos frequentes de ataques feitos por Bolsonaro. Desde que chegou ao Planalto, ele propaga inverdades sobre o sistema eleitoral brasileiro, embora jamais tenha havido fraudes durante eleições no país.

Ainda durante a posse, o locutor listou cada uma das embaixadas que enviaram representantes ao evento. Foram 45, entre elas EUA, Rússia, Venezuela, Cuba, União Europeia, China e Argentina. A citação, uma a uma, também tem caráter emblemático. Num das investidas mais graves contra o sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro reuniu cerca de 80 representantes diplomáticos de diversos países numa reunião no Palácio da Alvorada em que ele, mais uma vez, apresentou informações inverídicas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas.