Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Brasil, p. A6

Bancos já projetam déficit primário acima de 6% do PIB

Arícia Martins
Ana Conceição
Anaïs Fernandes


O pacote fiscal para combater os efeitos do coronavírus na economia e a recessão devem deteriorar fortemente as contas públicas do Brasil este ano. Ao incluírem em suas estimativas expansão dos gastos e queda de receitas tributárias, Barclays, Goldman Sachs e Santander passaram a prever déficit primário acima de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor público consolidado em 2020. Já a dívida bruta deve subir a cerca de 85% do PIB, podendo alcançar 90% nos cenários mais pessimistas.

Segundo os especialistas, a piora da trajetória fiscal é inevitável e justificada se ficar restrita a este ano. Existem, contudo, riscos de que a sustentabilidade da dívida pública seja ameaçada.

Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, estima que o impacto de todas as medidas fiscais e parafiscais anunciadas será de R$ 275,6 bilhões no Orçamento deste ano, ou 3,7% do PIB. Destes, R$ 192 bilhões referem-se a despesas não previstas anteriormente, e R$ 84 bilhões são renúncias fiscais. “Essas estimativas não levam em conta  provável declínio na arrecadação de impostos devido à queda do nível de atividade”, observa Secemski em relatório.

O Barclays passou a estimar déficit primário de, no mínimo, 6,5% do PIB para o setor público consolidado em 2020. A previsão anterior era de rombo de 2,7%. Já a dívida bruta deve alcançar 84,5% do produto este ano, vindo de 75,8% em 2019, mas Secemski alerta que há risco de piora adicional desses indicadores, a depender do tamanho da recessão.

“Isso se traduziria em menor arrecadação de impostos e prazos maiores para o diferimento de tributos, em meio à pressão crescente por gastos mais elevados”, apontou. Num cenário de queda de 3% do PIB este ano, o déficit primário poderia atingir 8% do PIB, e a dívida bruta ficaria perto de 90% do produto.

Para Secemski, mesmo com a manutenção do teto de gastos, a “principal âncora fiscal” do país está sob ameaça, devido à relação conflituosa entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e o Congresso. “Além dos aumentos temporários nos gastos relacionados à covid-19, todos justificáveis neste momento de crise, quaisquer aumentos permanentes podem facilmente tornar o teto insustentável a partir de 2021 em diante.”

As perspectivas fiscais de curto prazo já eram desafiadoras e o cenário de médio prazo provavelmente se tornará mais difícil, avalia Alberto Ra chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs. Em relatório que analisa os efeitos da pandemia em sete países, Ramos destaca que o déficit primário brasileiro deve ficar entre 7% e 9% do PIB, enquanto a dívida bruta deve alcançar de 87% a 91% do produto. Antes da crise, o Goldman previa déficit de 1,2% do PIB.

Dada a natureza e a gravidade da contração esperada para o PIB, de 3,4% em 2020, Ramos acredita que a arrecadação deve sofrer mais que em crises anteriores. O banco calcula que os efeitos da pandemia sobre a economia podem provocar queda de mais de 8% na arrecadação de impostos do país, considerando uma elasticidade da arrecadação à atividade econômica de 1,5.

Isso significa que, para cada 1% de variação do nível de atividade, positiva ou negativa, a arrecadação sobe ou cai 1,5%. Num exercício em que essa relação aumenta a 2, para levar em conta deterioração no pagamento de tributos, a arrecadação poderia cair mais de 10%. Nesse cenário, diz o

Goldman, é essencial que a maioria das medidas fiscais sejam temporárias, e que as autoridades adotem simultaneamente reformas e medidas de ajuste fiscal que apontem para um equilíbrio fiscal de médio e longo prazo.

Após subir nove pontos percentuais em dois anos, O Santander espera que relação dívida pública/PIB retome tendência gradual de queda  partir de 2022. “No entanto, reconhecemos que os riscos fiscais aumentaram recentemente, pois acreditamos que a probabilidade de novas reformas estruturais está diminuindo”, afirma a equipe econômica chefiada por Ana Paula Vescovi em relatório.

Em revisão de cenário divulgada ontem, o banco piorou suas projeções fiscais. Para este ano,  a estimativa para o déficit primário do governo central, Estados e municípios passou de 2,1% a 6,2% do PIB. Para 2021, o novo número aponta resultado negativo de 1,9% do PIB, ante 1% anteriormente. Já a estimativa para a relação dívida/PIB em 2020 aumentou de 77,6% para 83,9%. Para 2021, foi de 75,9% para 84,8%.

O Santander assume que a expansão fiscal deste ano será temporária e focada no combate à crise da covid-19. Segundo o banco, quanto mais intacta ficar a estrutura de consolidação fiscal, maiores as chances de reação mais consistente da economia brasileira após a crise - ainda que Ana Paula destaque que essa retomada deve ser em “U”, mais gradual, e não em “V”.