O Globo, n. 32518, 18/08/2022. Política, p. 6
PF pede ao STF autorização para indiciar Bolsonaro
Mariana Muniz
Aguirre Talento
A Polícia Federal pediu autorização ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para indiciar o presidente Jair Bolsonaro pela prática de crime ao disseminar notícias falsas sobre a Covid-19 e desestimular o uso de máscaras de proteção. Também solicitou permissão para tomar o depoimento de Bolsonaro sobre o assunto.
A investigação apura informações divulgadas por Bolsonaro em uma transmissão ao vivo realizada em junho do ano passado, na qual ele citou uma relação inexistente entre a vacina da Covid-19 e o aumento do risco de desenvolver Aids. Para a PF, essa associação poderia ser classificada como uma contravenção penal de “provocar alarme a terceiros, anunciando perigo inexistente”. A contravenção é uma infração penal considerada de menor gravidade, punível de forma mais branda pela legislação.
Outro trecho, entretanto, foi considerado mais grave no relatório parcial da PF. Nele, o presidente citou uma informação falsa, de que as vítimas da gripe espanhola morreram em maior parte por causa do uso de máscaras do que pela gripe. A PF diz que o fato se enquadra no delito de “incitação ao crime”, previsto no Código Penal e que prevê pena de detenção de três a seis meses, ou multa.
Ao ser questionado sobre o pedido da PF após participar de um encontro com prefeitos em um hotel em Brasília, Bolsonaro ignorou as perguntas e saiu sem responder. Durante a reunião, o presidente voltou a defender a “liberdade” de médicos para “clinicar sugerindo medicamentos para seus pacientes”, em uma referência ao uso de remédios sem eficácia comprovada.
Para a PF, Bolsonaro “disseminou, de forma livre, voluntária e consciente, informações que não correspondiam ao texto original de sua fonte provocando potencialmente alarma de perigo inexistente aos espectadores, além de incentivá-los ao descumprimento de normas de sanitárias estabelecidas pelo próprio governo federal, que seria o uso obrigatório de máscaras pela população brasileira”.
“Esse ‘encorajamento’ ao descumprimento de medida sanitária compulsória, encontra-se subsumido à conduta descrita no art. 286 do Código Penal, o qual descreve o tipo penal de incitação ao crime”, diz a PF.
O relatório parcial apresentado pela PF cita que as informações falsas foram produzidas pelo ajudante de ordens do Palácio do Planalto, Mauro Barbosa Cid, e disseminadas de forma consciente pelo presidente da República.
Desinformação
Segundo a PF, o presidente “de forma direta, voluntaria e consciente disseminou a desinformaçãode que as vítimas da gripe espanhola, na verdade teriam morrido em decorrência de pneumonia bacteriana, causada pelo uso de máscara, incutindo na mente dos expectadores um verdadeiro desestímulo ao seu uso no combate à Covid-19, quando naquele momento, por determinação legal, seu uso era obrigatório pela população, contrariando as orientações mundiais atinentes ao combate à pandemia da Covid-19 promovidas pela Organização Mundial de Saúde, à utilização de vacinas no enfrentamento da Covid-19, bem como às normas legislativas vigentes à época”.
Essa investigação foi aberta após um pedido da CPI da Covid. A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com um recurso contra a abertura do inquérito, mas Moraes negou o recurso. O relatório parcial é assinado pela delegada Lorena Lima Nascimento, da Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores (Cinq).