Correio Braziliense, n. 21856, 18/01/2023. Brasil, p. 6
Weber suspende perdão a PMs do Carandiru
Luana Patriolino
A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o trecho do indulto de Natal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que concedia perdão a policiais que respondiam criminalmente pelo Massacre do Carandiru, 30 anos atrás. A decisão atendeu a um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e vale até que o ministro Luiz Fux, relator da ação, volte do recesso do Judiciário.
Na avaliação de Weber, se o processo não fosse julgado com urgência, poderia ter “efeitos concretos irreversíveis”. “Tal suspensão, segundo entendo, revela-se medida de cautela e prudência, não só pela possibilidade de exaurimento dos efeitos do Decreto Presidencial em apreço antes da apreciação definitiva dos pedidos deduzidos neste feito, como também para impedir a concretização de efeitos irreversíveis, conferindo a necessária segurança jurídica a todos os envolvidos”, explicou a ministra em seu despacho.
Em decisão anterior, Rosa Weber já havia determinado que Bolsonaro e a Advocacia-Geral da União (AGU) prestassem informações sobre o indulto. O governo respondeu que o indulto era um direito legal do presidente, e que não caberia interferência do Judiciário. No entanto, a magistrada rebateu a tese de forma veemente. “Imperativo, por conseguinte, afirmar e reafirmar: não há, sob a égide da Constituição Federal de 1988, atos públicos insuscetíveis de controle! Todos os atos do Poder Público, independentemente de quem os edita ou pratica, estão sujeitos à fiscalização e avaliação quanto à legalidade e à constitucionalidade pelos órgãos competentes.”
Sem indulto
O decreto presidencial é questionado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7330, ajuizada por Augusto Aras. O órgão recomendou que seja imediatamente suspenso o perdão, pois “a Constituição veda o indulto para crimes hediondos, aferição que deve ser feita não no momento da prática do crime, mas, sim, na data da edição do decreto”.
Segundo o procurador-geral, “representa reiteração do Estado brasileiro no descumprimento da obrigação assumida internacionalmente de processar e punir, de forma séria e eficaz, os responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade cometidos na casa de detenção”, frisou.
O governo Bolsonaro argumentou que o indulto é legítimo porque, quando foram cometidos, os crimes ainda não eram classificados como hediondos. O decreto, assinado a nove dias do fim da gestão do então presidente, tem como consequência prática o perdão da pena, e costuma ser concedido todos os anos no período próximo às festas natalinas.
O advogado criminalista Edson Vieira Abdala explica que, apesar de ser uma prerrogativa do presidente, o indulto pode ser anulado em caso de inconstitucionalidade. “Nenhuma lei pode superar a Constituição. Por ser o Supremo Tribunal Federal o intérprete maior da Constituição, ele, eventualmente, pode suprimir inteiramente o decreto ou pode determinar uma suspensão parcial do que foi requerido em razão de o indulto estar em desacordo com normas constitucionais”, destacou.
O caso deve ser levado ao plenário da Corte para uma discussão mais ampla do tema. “Trabalhamos em um sistema de pesos e contrapesos, onde um Poder acaba gerenciando determinadas situações constitucionais. Havendo inconstitucionalidade, é possível liminarmente determinar a suspensão e, posteriormente, o colegiado poderá ou não manter (a decisão)”, apontou Abdala.
O massacre do Carandiru completou 30 anos sem que os 74 policiais militares condenados pelo assassinato de 111 presos — após rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo — tenham começado a cumprir sentença, em penas que chegam a 624 anos de prisão. A condenação pelo Tribunal do Júri, em 2013 e 2014, não significou a prisão dos PMs, que receberam autorização para aguardar a conclusão do processo em liberdade.