Título: Chávez diante de 'derrota moral'
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/12/2005, Internacional, p. A8

Às vésperas da eleição legislativa de amanhã, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, acusou os Estados Unidos de ativarem um golpe eleitoral ''incluindo magnicídio'' (assassinato de um líder ou chefe de Estado) no país, devido ao abandono por parte de quatro partidos de oposição do pleito que vai renovar as 167 cadeiras da Assembléia Nacional. A falta de representação oposicionista fortalece a campanha pela abstenção nas urnas, comandada pela ONG Súmate.

- Foi ativada uma nova conspiração contra a Venezuela e eu não vou acusar os cachorros e sim o amo dos cachorros: o governo do presidente dos EUA, o senhor George Bush - afirmou Chávez, ao comentar a retirada da Ação Democrática (AD - 26 deputados na atual formação parlamentar), dos sociais-cristãos Copei (6 deputados) e Projeto Venezuela (7) e do liberal Primeiro Justiça (5).

As mais importantes legendas da oposição que permanecem na corrida eleitoral são o Movimento ao Socialismo (MAS) e a Causa Radical (LCR), ambas de centro-esquerda, além de pequenos partidos regionais.

O presidente, que costuma acusar os EUA de estarem por trás de tentativas de desestabilização de seu governo, assegurou ter ''provas'' de que a CIA está se movimentando na Venezuela, no Caribe e em outros países da América Latina. Não revelou, porém, quais são.

- Anda muito ativa, foi a CIA que matou Salvador Allende (ex-presidente chileno), foi a CIA que tentou matar mil vezes o companheiro (presidente cubano) Fidel Castro. E planeja mais um magnicídio - disse.

No discurso televisivo de quinta-feira à noite, Chávez convocou seus partidários a comparecerem em massa nas urnas, para ''protagonizar um contragolpe eleitoral, que aprofundará a revolução bolivariana'' - como chama o processo de mudanças de bem-estar social de seu governo:

- Vamos todos, em toda Venezuela, à mobilização nacional, como nos dias 12 e 13 de abril (quando manifestações a favor de Chávez e tropas leais ao governo garantiram sua volta ao poder depois de um golpe de Estado que durou 47 horas em 2002).

Em resposta, a Casa Branca nega que esteja por trás da deserção oposicionista.

- Golpe eleitoral é um bom slogan, mas não tem base na realidade - afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack,

Até ontem, 322 dos 5.513 candidatos inscritos haviam abandonado a corrida à Assembléia Nacional. Ao que tudo indica, o governo Chávez vai manter a maioria na Casa, mas a estimada abstenção se converterá em uma derrota moral. Antes da desistência da oposição, pesquisas apontavam entre 55% e 71% de eleitores faltosos - número bem maior do que o pleito parlamentar de julho de 2000, que contou 47% de abstenção. Agora, alguns setores anti-Chávez acreditam que o não-comparecimento às urnas pode chegar a 80%.

''Se acontecer, a oposição pode considerar isso uma vitória própria e uma derrota presidencial, com todos os efeitos internos, e, sobretudo, externos'', escreveu o diretor do jornal Ultimas Noticias, próximo ao governo, o analista Eleazar Díaz Rangel.

- A desistência rival e a magnitude da abstenção prevista são sintomas de um sistema político doente - provocou um dos candidatos opositores, o independente Teodoro Petkoff.

Atualmente, a oposição tem 79 dos 165 assentos (mais dois serão acrescentados devido ao aumento da população) da Assembléia Nacional, e o chavismo, os 2/3 restantes. Na renovação, a Casa será quase inteiramente governista. No mandato de cinco anos, o presidente poderá emendar a Constituição e é provável que consiga autorizar sua eventual segunda reeleição, em 2012.

- Aqueles que acreditam na democracia lamentam profundamente o passo dado por esses setores oposicionistas, mas ao mesmo tempo acreditamos que é o ponto de partida para uma oposição distinta, venezuelana, nacional e não com sede em Washington - desafiou o vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel.

Os partidos rivais ao chavismo também apóiam a proposta do governador de Zulia, Manuel Rosales, para a criação de uma comissão de alto nível para resolver a crise de confiança no sistema eleitoral. Rosales aparece hoje como o principal adversário de Chávez nas eleições presidenciais, previstas para o ano que vem.

A abstenção, entretanto, não é o único problema no horizonte eleitoral de amanhã. Ontem, 11 pessoas foram detidas em Zulia, portando 62 coquetéis molotov e outros objetos que supostamente seriam usados num protesto durante o pleito. Também foi encontrada na entrada da Universidade Central da Venezuela, em Caracas, uma bola negra onde se lê ''Fora o CNE (Conselho Nacional Eleitoral)''. A polícia não confirmou se tratava-se de um explosivo. Na quarta-feira, foi lançada uma bomba de gás lacrimogêneo na plataforma do metrô de Caracas. O serviço foi suspenso.