Correio Braziliense, n. 21860, 22/01/2023. Político, p. 3

Diplomacia mais diversificada



Com a viagem para a Argentina e o Uruguai, nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retoma a estratégia de diplomacia diversa, em comparação com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que acabou beneficiando países mais desenvolvidos, de acordo com especialistas.

“Bolsonaro não chegou a ir para a África e nem para a Oceania. E teve um foco muito grande nos EUA, para onde viajou mais de oito vezes. Devemos ter uma virada de chave na política externa”, destaca Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, em referência ao país para o qual o ex-presidente preferiu ir em vez de participar da cerimônia de posse.

Fernandes lembra que visitar a Argentina como primeiro destino internacional para os presidentes brasileiros é uma tradição da diplomacia brasileira. “Isso é estratégico, porque mostra uma priorização da relação do Brasil com outros países latino-americanos. Podemos esperar uma presença muito grande da América Latina na política externa brasileira”, explica. Ele reforça que a viagem também é positiva do ponto de vista comercial na economia brasileira. “A Argentina é uma parceira muito estratégica para o Brasil porque diferente de outros países como os Estados Unidos  e China que tem um impacto maior na nossa balança comercial, a Argentina é um destino importante para produtos manufaturados industrializados do Brasil, que tem valor agregado maior e cadeias produtivas que geram empregos com melhor remuneração”, acrescenta.

O especialista da BMJ recorda que, durante o governo Bolsonaro, o Brasil deixou de ser a maior origem de produtos importados pela Argentina e foi superado pela China. “Lula deverá fazer um esforço grande para aproveitar essa sinergia até ideológica entre os dois governos para retomar esses laços comerciais e tornar novamente o Brasil o maior parceiro da Argentina”, aponta.

O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, completa que Lula também quer “colher louros” e visa lucro político em comparação a gestão Bolsonaro. “O objetivo é melhorar a imagem do Brasil no exterior. Lula precisa atrair investimentos estrangeiros. Um dos pontos que ele quer reforçar é a presença do Brasil em vários fóruns e negociações. Tem o Mercosul, o acordo com a União Europeia. São temas importantes, assim como a relação com a China. Lula quer se contrapor a Bolsonaro reforçando a narrativa de isolamento que o Brasil estava na gestão anterior. Ele quer um contraponto com essa avaliação”, diz.

Na avaliação do diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, independentemente da seleção de três países chaves nas relações exteriores do Brasil, é preciso levar em conta a qualidade e o conteúdo de cada uma das agendas bilaterais. “O bom relacionamento com a Argentina é essencial para tentar resolver os muitos problemas do Mercosul. Lula tende a priorizar os aspectos políticos do Mercosul, quando os principais desafios estão na frente econômica e comercial, com amplas tendências protecionistas nos dois países. Uruguai quer um Mercosul mais aberto, o que não apenas é coerente com os propósitos originais, como é amplamente necessário para todos os membros. Haverá resistências nesse quesito”, emenda.

Sobre a viagem a Portugal, o analista da BMJ aponta aposta na possibilidade de o roteiro ser ampliado para outros países da União Europeia visando destravar o acordo de livre comércio com o Mercosul , que acabou travando em meio aos constantes recordes de desmatamento da Amazônia. “É esperado que isso ocorra, porque existe um esforço do governo brasileiro para que o acordo seja, finalmente, ratificado. Falta o processo mais difícil, que é a aprovação dos parlamentares, que usaram o argumento de que as políticas ambientais do governo anterior não eram adequadas”, relata Fernandes. (IS)