Correio Braziliense, n. 21860, 22/01/2023. Cidade, p. 13

Da destruição à recuperação

Ana Silva Pol
Mariana Niederauer


Imagens e palavras são insuficientes para expressar e comunicar o tamanho da violência que se viu na Esplanada dos Ministérios, no domingo, 8 de janeiro. Quem testemunhou a barbárie se lembra do cheiro do gás lacrimogêneo espalhado para dispersar a multidão de terroristas. Os olhos ardidos assistiam incrédulos à destruição dos espaços que muitos dos servidores e funcionários das sedes dos Três Poderes consideram uma segunda casa — e, por vezes, até a primeira. Depois da tempestade, não veio a calmaria, mas a recuperação, pelas mãos de trabalhadores imbuídos do senso de respeito pelo bem público.

O diretor-executivo de Gestão do Senado Federal, Márcio Tancredi, exercia no dia 8 a função de diretor-geral da Casa. Ao ser informado sobre a situação, foi para o Congresso antes das 15h, a tempo de assistir, de longe, a invasão ao Palácio do Planalto. No Senado, a Polícia Legislativa ainda mantinha uma primeira barreira entre os tapetes azul e verde. “As pessoas pareciam alucinadas, se jogavam contra o vidro, jogavam coisas sobre o vidro… Me deu a impressão de que eu estava num momento de comoção pública total”, detalha Tancredi.

Em posição de defesa e vestindo roupa de choque, os policiais conseguiram segurar a invasão por cerca de uma hora. Com esferas de aço lançadas por estilingues, os vândalos quebraram a maior parte das vidraças e avançaram para dentro da Casa Legislativa. “Nós não temos uma polícia de choque, embora tenhamos o equipamento, esta não é a vocação da Polícia do Senado”, reforça Tancredi, que exalta o esforço dos servidores em conter os criminosos e mantê-los no plenário para efetuar as prisões — foram quase 40 dentro do Senado, as primeiras feitas no dia dos ataques.

A segunda barreira de contenção, na entrada do chamado “túnel do tempo”, durou tempo suficiente para que todo o edifício principal fosse evacuado.

Revolta

Os sentimentos mudavam à medida que as horas passavam. Primeiro, uma racionalidade extrema, com foco nas soluções possíveis e em garantir a segurança das equipes. Depois, a impotência diante de tamanha violência e, por último, revolta.

Nesse momento, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, já estava na cidade. Passava férias com a família no Nordeste quando, ao voltar de uma caminhada na praia, viu o celular inundado de ligações, mensagens e imagens da depredação. Pegou estrada para o aeroporto. Por volta das 23h30 de domingo estava no local. “É muito mais forte do que você ver pela televisão, porque você sente com todos os seus sentidos ao mesmo tempo. Naquele momento, eu fiquei triste, mas maior que esse sentimento de tristeza foi o de responsabilidade”, destaca.

Ilana deixou o Senado às 5h e menos de quatro horas depois estava de volta. Todas as áreas começaram o levantamento dos prejuízos e uma primeira grande limpeza foi organizada à medida que a Polícia Federal liberava os espaços. Às 23h30 da segunda-feira, o primeiro relatório de danos estava pronto para ser entregue ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O documento dá conta de um prejuízo próximo a R$ 4 milhões. Uma das reposições mais difíceis, segundo a diretora-geral, será a do tapete do Salão Azul, que ficou inutilizável. A peça tem 2km de extensão e o tom “azul Senado” não existe no mercado.

Invisíveis

“Quando você vê um espaço que cuida sendo depredado, violado, roubado, isso é extremamente impactante”, lamenta a diretora em exercício da Secretaria de Comunicação Social, Luciana Rodrigues, servidora há 25 anos.

Vários servidores se dispuseram a voltar das férias e contribuir com a reconstrução. Houve quem se oferecesse até para pintar paredes. Nesse contexto, um dos trabalhos que geralmente passam invisíveis tomou proporção monumental. As equipes de limpeza e de conservação estão entre as mais elogiadas por todos os gestores.

Líder de uma delas, o encarregado de limpeza Lucimar Pereira da Silva estava de plantão no dia 8. “É uma coisa muito triste, nunca pensei que veria o Senado naquela situação”, diz ele, que atua no local há seis anos.

Passado o susto, veio o momento de recuperar o que foi perdido, e o sentimento de união é o que mais se fortaleceu. Todos os funcionários se esforçaram para entregar o espaço recuperado o quanto antes. “É a nossa segunda casa, e alguém veio e destruiu”, lamenta.

Danos ao STF e Planalto
A Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF), o prédio mais atingido pelos ataques, informou que nenhum servidor falará por enquanto. Em entrevista à jornalista Basília Rodrigues, da CNN, em 13 de janeiro, o ministro decano da Corte, Gilmar Mendes, que já havia soltado nota oficial repudiando com veemência os ataques, comentou brevemente sobre a sensação de ver seu local de trabalho depredado.

 “Eu fiquei extremamente chocado e emocionado de ver. Vivo aqui há 20 anos, trabalhando, e convivo com o Supremo Tribunal Federal há mais de 40 anos, então a gente cria uma relação de amor, de amizade e de admiração por tudo o que o Supremo representa. Foi um choque imenso para mim, para todos os colegas e acho que para toda a comunidade jurídica. Percebemos a carga de raiva que descarregaram no Supremo ao vermos todas as estátuas destruídas, as fotografias, as galerias”, elencou o ministro, que estava de férias e voltou a Brasília após os atos de vandalismo.

Em campanha oficial da Corte, a presidente, ministra Rosa Weber, garantiu que o Supremo “reconstituirá seu edifício-sede, patrimônio histórico dos brasileiros e da humanidade, e símbolo do Poder Judiciário, um dos três pilares da democracia constitucional brasileira”.

Os danos ao Palácio do Planalto também foram extensos. Diversas obras emblemáticas acabaram atingidas pela ação de criminosos revoltados com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre elas As mulatas, de Di Cavalcanti. Nas redes sociais, dias depois, a primeira-dama, Janja, compartilhou vídeo em que traz depoimentos e agradece a equipe da limpeza do Palácio. “Muito obrigada a toda a equipe de manutenção do Palácio do Planalto, brasileiras e brasileiros dignos de serem chamados patriotas! Com o trabalho deles, a destruição promovida por vândalos sem qualquer respeito pelo nosso patrimônio e pelo nosso país já virou coisa do passado”, escreveu. O presidente também posou em foto ao lado dos funcionários após a recuperação do espaço.

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