Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Finanças, p. C1
Prazo é resposta para crise dessa envergadura, diz Rial
Talita Moreira
As medidas já adotadas pelo Banco Central (BC) são suficientes para a retomada da atividade econômica dentro de alguns meses. O necessário, agora, é que o sistema financeiro dê prazo para empresas e pessoas físicas honrarem seus compromissos, afirmou o presidente do Santander Brasil, Sérgio Rial.
“Prazo é a resposta para uma crise desta envergadura”, disse o executivo ao Valor na tarde de ontem, durante entrevista transmitida ao vivo no site do jornal. “Os bancos estão preparados para dar prazo para as pessoas que querem pagar as suas dívidas, em parcelas que caibam no seu bolso.”
Uma recessão - no Brasil e no mundo -, o aumento da inadimplência e uma conta a pagar pela sociedade são consequências inevitáveis da crise imposta pela pandemia de coronavírus. No entanto, para o presidente do Santander, o colapso será muito maior caso não se dê fôlego para quem ficou sem caixa agora ou caso simplesmente os contratos sejam rasgados. Para Rial, é preciso chegar a um meio termo. “O que não dá para achar é que se vai resolver uma crise dessas em um ano”, afirmou.
Ontem, o Santander revisou sua projeção para o PIB brasileiro, e passou a prever uma contração de 2,2% para a economia em 2020 - podendo chegar a uma queda de 6% no pior cenário.
Rial disse considerar que foram justas as críticas feitas aos bancos sobre aumento de taxas de juros em meio à crise. Segundo ele, houve duas situações. Uma delas foi um aumento de spreads para as grandes companhias, que passaram a demandar mais recursos. A outra, em relação às pequenas empresas, foi um aprendizado das próprias instituições financeiras sobre as medidas que estavam saindo e sobre como fazer o dinheiro chegar à ponta num cenário inédito de risco. Agora, observou, a tendência é que haja um reequilíbrio.
O crédito à folha de pagamentos de pequenas empresas com apoio do Tesouro Nacional será importante para dar agilidade à liberação de recursos a esses negócios. “A junção do setor público com o setor privado foi extremamente benéfica porque nos permite [aos bancos] reagir muito rapidamente e não nos perdermos em discussões de comitês de crédito, de portfólio.”
Num cenário em que a crise se resolva dentro de três a cinco meses, Rial afirmou acreditar não ser necessária a adoção de novas medidas em que o Tesouro entre no risco de crédito, como fez no caso do crédito ao pagamento de salários. “Daqui para a frente, é execução.”
Ainda é cedo para quantificar o peso que a crise terá sobre a inadimplência, mas uma alta no custo do crédito é “inquestionável” para o presidente do Santander. De acordo com ele, esse movimento vai ficar mais visível no terceiro e no quarto trimestres. Mesmo assim, o executivo disse que dará alguma sinalização sobre esse impacto quando divulgar o resultado dos três primeiros meses deste ano.
O Santander adotou a renovação automática de todos os contratos de crédito de pessoas físicas e pequenas e médias empresas por 60 dias, com manutenção do valor das parcelas. Segundo Rial, o banco também vai parcelar em 24 meses, com dois meses de carência, a fatura mais recente do cartão de crédito, cobrando a metade da taxa habitual. A instituição financeira manterá o foco em pessoas físicas e em pequenas empresas, segmentos que passou a priorizar nos últimos anos. “Não vamos mudar nosso modelo de negócios.”
Um aspecto positivo da crise atual, segundo o presidente do Santander, é que os bancos estão bem preparados para enfrentar uma adversidade dessa magnitude. “O sistema financeiro brasileiro é forte, e isso é bom. O fato de ter um sistema capaz de lidar com esse tipo de choque é superimportante. [Do contrário] Não haveria crédito e estaria recuperando tudo o que pudesse”, afirmou. “Para cada R$ 1 que um banco produz em lucro, não há necessidade de demonizar. Volta em dividendos, volta em empregos e volta em impostos.”
Na avaliação de Rial, a crise vai impor uma discussão relevante sobre o custo das medidas que estão sendo tomadas pelo governo. Não é uma questão tão importante no curto prazo, mas o déficit fiscal aumentará “tremendamente”, e no Brasil não será diferente, afirmou o executivo. Por isso mesmo, é preciso que a sociedade discuta em que situações faz sentido o uso do dinheiro público. “Não existe dinheiro do Estado. O dinheiro é nosso.”
Como aprendizados, segundo Rial, a crise vai deixar a disseminação do trabalho remoto e uma explosão muito mais rápida do comércio eletrônico. Entretanto, ressaltou, também deveriam ser legados um debate sobre a possibilidade de se eliminar o uso do dinheiro em espécie e a resolução de problemas históricos do Brasil, como falta de água e esgoto para boa parte da população. “Espero que saneamento, água e habitação tenham predominância muito maior até do que a estrada”, destacou Rial. “Que [o dinheiro público] seja direcionado a áreas que nos preservem e preservem a vida dos nossos compatriotas.” (Colaboraram Flávia Furlan e Sergio Tauhata)