Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Finanças, p. C2

BC está perdendo o controle das expectativas de inflação

Alex Ribeiro



A atitude cautelosa do Banco Central está levando à perda do controle das expectativas de inflação para 2021, que hoje é o principal alvo da política monetária. Na semana passada, a projeção mediana do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano caiu para 3,5%, distanciando-se ainda mais da meta, de 3,75%.

O exame da distribuição das frequências das expectativas divulgada ontem pelo BC, com data de referência de 31 de março, mostra uma distribuição das projeções claramente enviesada para percentuais abaixo da meta.

Apenas cerca de um terço dos analistas econômicos prevê inflação ao redor da meta no ano que vem. Os dois terços restantes projetam inflação abaixo do alvo do Banco Central. Cerca de um quarto dos analistas aposta em um IPCA de até 3,3% em 2021.

Os analistas econômicos que atualizaram as suas projeções na semana passada já antecipam que o piso da meta deste ano, de 2,5%, será furado. A projeção mediana desse conjunto de analistas econômicos caiu para 2,44% na semana. A meta de 2020 é uma variação do IPCA de 4,5%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo.

O furo do piso da meta obrigaria o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a escrever uma carta aberta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando os motivos e detalhando as providências para recolocar a inflação na trajetória de metas.

O mercado está projetando uma certa perpetuação da inflação mais baixa também para 2021. Nessas contas, está implícito um baixo repasse à inflação da desvalorização recente do dólar.

A queda das projeções de inflação de 2021 abaixo da meta significa um arranhão na credibilidade do Banco Central. Em tese, num horizonte tão longo, a autoridade monetária teria tempo de manipular a taxa básica de juros para cumprir o seu objetivo. Se o mercado aposta em inflação abaixo da meta, é porque acha que o BC não tem instrumentos para cumpri-la ou que não pretende acioná-los com a força ou no tempo necessário.

A autoridade monetária decidiu adotar uma estratégia cautelosa, cortando os juros em 0,5 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de março, para 3,75% ao ano, e sinalizando uma possível estabilidade em maio.

O Banco Central tem enfatizado em sua comunicação oficial que, mais do que as projeções de inflação, o que vai determinar as suas decisões de política monetária é o chamado balanço de riscos para a inflação.

Segundo o BC, o balanço de riscos tem grande variância e pode fazer a inflação ficar muito diferente do projetado no cenário central.

Quanto ao risco sobre a atividade econômica, a distribuição das frequências das expectativas de mercado pende claramente para percentuais mais baixos. Cerca de 60% das projeções do mercado são menores do que a estabilidade do PIB prevista pelo BC no seu Relatório de Inflação.

Cerca de um quarto dos analistas prevê contração de até 1,2% no PIB. Outro quarto dos analistas trabalha com cenários de contração de até 2,4%. Um grupo de aproximadamente 15% dos analistas projeta queda de até 3,6%. Há ainda alguns poucos analistas que anteveem recuos de até 7%.