Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Finanças, p. C2

Juros sobem com tom mais duro em fala de Campos

Victor Rezende
Lucas Hirata


A sinalização do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que pretende combater os efeitos do novo coronavírus por vias que vão além da Selic forçou um ajuste moderado no mercado de juros ontem. As taxas de curto prazo - mais sensíveis ao cenário de política monetária - voltaram a subir em reação ao tom mais duro do dirigente. No entanto, o risco de uma recessão no país, com queda livre das projeções de inflação, ainda mantém firme a expectativa de rodadas adicionais de queda de juros nos próximos meses.

Em apresentação promovida pela XP Investimentos no sábado, o presidente do BC indicou que prefere usar medidas de liquidez para enfrentar a crise. Assim, os juros futuros de curto prazo subiram na B3 desde o começo do dia. A taxa do DI para janeiro de 2021 avançou de 3,14% para 3,255% e a do contrato para janeiro de 2022 saiu de 4,08% para 4,13%.

Embora as taxas curtas tenham subido diante dos sinais emitidos por Campos, a percepção dos agentes financeiros ainda é a de cortes adicionais na Selic dado o risco de quebra da atividade, inflação desancorada para baixo e até aperto de condições financeiras.

Na avaliação da economista-chefe da Canvas, Camila Faria Lima, o BC vem apresentando uma série de argumentos que, embora não deixem de ser verdadeiros, não parecem suficientes para impedir novo corte da Selic. Para ela, dados os impactos do coronavírus, a economia não chegou a tal ponto que o afrouxamento monetário se esgotou.

“O fato de a Selic não ser o melhor instrumento para enfrentar a crise neste momento não significa que ela não deva ser usada”, diz a economista, que vê gradualismo na condução da política monetária, mas ainda projeta corte de 0,5 ponto percentual da Selic em maio. “Os argumentos do BC são válidos, mas não chegamos nesse ponto”, acrescenta.

Um dos fatores de pressão para queda da Selic é a queda nas expectativas de inflação. Para a economista-chefe da GAP Asset, Anna Reis, o Produto Interno Bruto (PIB) deve apresentar uma contração de cerca de 4%, enquanto o IPCA ficará em 1,5% neste ano - bem abaixo da meta perseguida pelo BC, de 4%, neste ano. “Se os meus dados estiverem certo, a inflação em 12 meses do Boletim Focus vai despencar.”

Assim, a economista alerta que se o juro de curto prazo não cai, o juro real tende a subir, o que promove um aperto nas condições financeiras. “O BC vai ter que cortar mais a Selic para manter o mesmo grau de estímulo monetário. Com a atividade ainda mais fraca, seria recomendado o juro real estar em um nível ainda mais estimulativo”, diz Anna.

O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, avalia que a postura mais conservadora neste momento pode ser um erro. O BC “deveria ter dado ‘forward guidance’ indicando que faria tudo o que o fosse necessário para enfrentar a crise, que tentaria levar a inflação  a meta no horizonte relevante e que os juros ficariam baixos por mais tempo”, diz o especialista, que vê IPCA em 2,2% em 2020 e 3,2% em 2021.

Ele explica que fica muito difícil saber o que os dirigentes do BC vão fazer quando estiverem com o instrumento de compra de ativos em mãos. “Aí fica a questão se podem não precisar cortar mais a Selic porque as condições financeiras já estariam sendo afrouxadas ou se, com esse instrumento em mãos, podem ficar menos preocupados com a inclinação e cortar a Selic”, diz o profissional, que não vê uma conclusão clara.

Ontem, além do debate sobre os rumos da política monetária, o rumor de que o presidente Jair Bolsonaro iria demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, fez com que as taxas abandonassem as mínimas do dia e fossem às máximas em alguns trechos de toda a curva  de juros na B3. A informação foi divulgada pelo jornal “O Globo” durante a tarde e logo era o assunto mais comentado nas mesas de operação.

Por outro lado, nas taxas de longo prazo, a queda firme predominou diante de um cenário externo mais ameno, com a perda de fôlego no número de novos casos do novo coronavírus em solo europeu. O juro do DI para janeiro de 2025 caiu de 7,19% para 7,01%, após chegar a 6,85% na mínima do dia. Já o do DI para janeiro de 2027 recuou de 7,98% para 7,77%.