Título: A jihad do arco-íris
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/12/2005, Internacional, p. A9

Irã é o mais radical dos países islâmicos, onde o homossexualismo não é aceito. Desde 1979, país já matou 4 mil gays. Nem assim ativistas se calam

Ayaz Marhoni e Mahmoud Asgari tinham menos de 18 anos quando foram flagrados pelas autoridades de seu país cometendo um crime, segundo a lei local: eram gays e se comportavam como namorados em público. No dia 19 de julho deste ano, após 14 meses e 228 chibatadas cada, os dois foram enforcados em praça pública na cidade de Mashhad, Nordeste do Irã, país onde 4 mil homens e mulheres homossexuais já foram executados desde a Revolução de 1979 ¿ média de 153 por ano. A brutalidade tem mobilizado ONGs pelo mundo e, ao contrário do que esperam os repressores, levado ativistas do próprio mundo islâmico a resistir. O Irã não é a única nação islâmica que condena oficialmente o homossexualismo. Faz parte da tradição muçulmana rejeitar o amor entre pessoas de mesmo sexo, e a opção é considerada crime em 26 desses países. Vários deles prevêem a pena de morte, mas é no Irã onde a lei é mais radicalmente aplicada, segundo afirmam entidades de defesas dos direitos humanos. Pior, ainda segundo os ativistas, lá, muitas vezes, as autoridades acabam atribuindo aos ¿criminosos¿ falsas acusações. Foi o caso de Ayaz e Mahmoud.

¿ No Irã, as autoridades fazem uma interpretação extremamente linha-dura do Corão. O mais desumano é que, muitas vezes, as autoridades inventam crimes que essas pessoas não cometeram para desacreditá-las e tentar minar a pressão internacional. No caso desses dois rapazes, foram acusados de estupro de um menino de 13 anos. Uma acusação que surgiu pouco antes da execução, sem nenhuma prova. Temos informações de fontes seguras de dentro do Irã que isso nunca aconteceu. Nesse caso específico, temos a certeza absoluta de que não havia nenhuma suspeita real. A prática é a mesma com os opositores ao regime, que também são acusados, falsamente, de estupro e roubo ¿ afirmou ao JB o ativista pelos direitos dos gays Peter Tatchell, fundador da ONG OutRage, de Londres, uma das mais atuantes da Europa.

Tatchell lembra, ainda, que, na execução de julho, um dos jovens, Mahmoud, era menor de idade. Isso significa que o país também está descumprindo um documento do qual é signatário, a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, na qual as nações se comprometem a não sentenciar menores de idade à morte:

¿ Tudo o que estamos pedindo aqui é que o país cumpra as leis internacionais. Eles, mesmos, assinaram a Convenção. E a ONU não faz nenhum esforço sério para acabar com isso.

O Irã também está na mira da organização pelos direitos humanos Human Rights Watch, que tem feito pressão para inibir o nível de brutalidade a que chegou a interpretação dos preceitos religiosos no Irã, hoje presidido pelo ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad.

¿ É um paradoxo. Eu não diria que a população iraniana é a mais radical das nações islâmicas com relação à homossexualidade. São as autoridades, aqueles que estão no poder, os ortodoxos, que não abrem mão da pena de morte nesses casos. É preciso que se compreenda que estamos falando aqui de um flagrante desrespeito aos direitos humanos ¿ analisa, em entrevista por telefone, Jessica Stern, pesquisadora do Programa de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros da Human Rights Watch.

A entidade já fez solicitação formal para que Teerã suspenda a aplicação da pena de morte de forma geral por ser a sentença ¿cruel, irreversível e com potencial para ser fruto de discriminação¿.

Segundo a lei islâmica, aplicada ao pé da letra no Irã, homossexuais devem ser punidos com penas que variam das chibatadas à prisão e até a morte. Vale para mulheres e homens, embora sejam os gays masculinos os mais perseguidos. No caso de mulheres, costumam ser poupadas até a quarta vez em que forem ¿flagradas¿ em comportamento homossexual. Nesses casos, as reincidentes podem ser executadas. De maneira geral, é preciso que quatro testemunhas ¿ apenas homens, já que o depoimento de mulheres nunca é levado em conta ¿ afirmem ter informações que comprovem a prática homossexual de dois homens, por exemplo.

Uma vez sentenciados, os ¿acusados¿ podem ter a chance de escolher como será sua morte: enforcamento (a mais comum), apedrejamento, golpe de espada ou o lançamento do alto de um precipício ou, mesmo, um prédio.