Valor Econômico, v. 20, n. 4976,
07/04/2020. Legislação & Tributos, p. E2
Justiça começa a julgar pedidos de
liberação de saldo do FGTS
Beatriz Olivon
Trabalhadores decidiram ir ao Judiciário para pedir o saque
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com base no estado de
calamidade gerado pela pandemia da covid-19. Há, por enquanto, duas decisões.
Uma no Rio de Janeiro, favorável. E outra no Rio Grande do Sul, que impede o
levantamento do saldo.
Advogados se dividem sobre a
questão. Alguns ponderam que o acesso ao fundo só foi liberado em situações de
desastres naturais - como em Brumadinho e Mariana - e não em eventos de saúde
pública. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, logo deve se manifestar sobre
o assunto.
O Partido dos Trabalhadores
apresentou na sexta-feira pedido de liminar para autorizar o saque do FGTS (ADI
6371). No pedido, alega que o reconhecimento do estado de calamidade pública
autoriza o levantamento dos recursos das contas pelos trabalhadores sem que,
para isso, seja necessário editar norma ou regulamento específico.
Nas instâncias inferiores, há poucas
decisões sobre o tema. A desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro, autorizou o saque integral do
FGTS. Considerou que o fundo é direito dos trabalhadores, conforme a
Constituição. O pedido foi feito por um açougueiro (processo nº
0101212- 53.20 18.5.01.0043), que antes havia ajuizado uma ação
trabalhista.
Uma ação semelhante não teve o mesmo
resultado no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Sul. O caso
envolve um trabalhador que também moveu ação trabalhista e posteriormente
solicitou liberação de todo o FGTS. O pedido foi negado pela desembargadora Maria
Silvana Rotta Tedesco, apesar de reconhecer a situação de calamidade, a
necessidade de isolamento social e a restrição de muitas atividades.
Para ela a liberação do FGTS deveria
ser objeto de políticas econômicas do Executivo e não concedida por decisão
judicial (processo nº 0020542-08.2020.5.04.0000).
A Lei nº 8.036, de 1990, que trata
do FGTS, autoriza o saque em algumas situações, entre elas necessidade pessoal
decorrente de desastre natural. E o Decreto nº 5.113, de 2004, regulamentou
esse ponto, autorizando o saque em situação de emergência ou calamidade pública
ante necessidade pessoal que decorra de desastre natural.
Ricardo Calcini, professor de
direito do trabalho, entende que só é possível apresentar o pedido na via
judicial, equiparando a situação atual com a de calamidade pública por desastre
natural. Mas considera recomendável que o trabalhador comprove sua necessidade.
Caio Taniguchi Marques, sócio do
Simões Advogados, considera que o decreto não se aplica ao caso, pois se
dirigiu a uma situação específica, ligada a enchentes que aconteceram no país
naquele período. “Não há [na norma] nada que se aplique para caso de doença”,
afirma.
A Advocacia Geral da União (AGU)
informou que acompanha as ações, incluindo a do STF, e analisa as medidas a
serem tomadas.