Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Finanças, p. C6

Previdência deve demorar até 18 meses para retomar ritmo

Rafael Gregorio


Os fundos de previdência privada quase triplicaram a proporção de ativos de risco em suas carteiras nos últimos três anos, antes da atual crise do coronavírus. Agora, após as turbulências recentes, o processo de diversificação das carteiras deve demorar até 18 meses para recuperar o ritmo visto até o início deste ano, segundo especialistas. Nos extratos dos fundos de previdência privada a crise chegou a mostrar perdas da ordem de 20%, dependendo da parcela de renda variável nas aplicações.

A diversificação vista até recentemente não foi suficiente para diminuir a preponderância da renda fixa no segmento, mas fez a fatia agressiva nas aplicações das entidades de previdência complementar aberta subir de cerca de 10% em 2016 para cerca de 33% em 2019. A conta inclui os PGBL e VGBL e exclui os fundos corporativos e os de pensão, que têm contribuições de patrocinadores e são exclusivos para funcionários de empresas ou para associações.

Por outro lado, o crescimento na aposta em renda variável é proporcional ao medo causado pelas quedas nas bolsas após a pandemia. Mas especialistas e gestores dobram a aposta. Para eles, de tão agudo e inesperado, o episódio da covid-19 tem função didática, e uma maior alocação em risco por parte de fundos de previdência é um caminho sem volta.

Embora a demanda por acalmar investidores em meio às quedas causadas pela pandemia seja global, ela pode ser maior no caso brasileiro dado o alto índice de ingressantes na bolsa, explica o consultor José Raymundo de Faria Júnior, da Planejar. “Estamos hoje com quase 2 milhões de CPFs na B3. Eram 600 mil em 2016. Em conta por alto, dois terços dos investidores na bolsa podem ser novatos que nunca tinham visto algo assim. Como vão reagir na previdência?”, ele questiona.

Por isso, a tarefa de gestores tem sido realçar trunfos para tornar o risco mais palatável na aposentadoria, como o uso de robôs e a combinação de metas cruzadas. Tem sido assim com Rodrigo Terni, sócio fundador da gestora Giant Steps. “Nosso produto conjuga estratégias distintas. Uma ganha em tempos racionais, que é a do fundo Sigma. E a outra lucra em momentos irracionais, que é a do Zarathustra. Ele está dando 4,5% neste ano. Já o Sigma está caindo 4%, o que faz sentido, pois não vivemos um momento racional”.

Marcelo Mello, vice-presidente de Vida, Previdência e Investimentos da SulAmérica, afirma que não houve retiradas significativas na empresa. “Os produtos foram impactados, mas estamos perto dos clientes, explicando que um resgate pode, aí sim, realizar uma perda.” Por outro lado, diz, as novas contratações devem desacelerar: “Quem estava para entrar tende a esperar mais”.

Sobre o cenário pós-pandemia, no médio prazo, conforme a curva de crescimento do coronavírus sofra inflexão, Mello antevê uma revisão de perfis: “A gente vai ver alguns clientes que entraram em produtos agressivos, no afã de compensar a queda dos juros, mas que terão percebido que não têm estômago para isso”.

“Em um primeiro momento, vejo os gestores diminuindo risco e fazendo caixa, esperando para voltar ao jogo. Mas mesmo com crescimento do PIB menor ou negativo, tem muito prêmio por aí. Se por um lado o profissional está machucado pelas últimas semanas, por outro a oportunidade que se abre é grande”, diz.

Além de reforçar que é preciso evitar liquidações ou portabilidades “com o fígado”, João Morais, líder da área de wealth (que engloba previdência e investimentos) da Mercer Brasil, lembra que quem perde agora ganhou muito nos últimos anos. “Não podemos esquecer que nos anos de 2018 e 2019 o Ibovespa subiu 51%. Em 36 meses, subiu 92%. Quem esteve em perfis conservadores deixou de capturar esse ganho. Agora, uma parte disso foi subtraída, mas é de se esperar que a equação risco-retorno volte à normalidade.”

Jorge Ricca, diretor financeiro da Brasilprev, também antevê um congelamento e, depois, uma retomada: “Em crises anteriores, como a do subprime dos EUA, em 2008, se injetava recursos para salvar instituições e se estancava. Agora, não é uma crise essencialmente financeira. No curto prazo, o debate do risco deve ficar em segundo plano”.

Mas o conceito pode voltar à mesa no segundo semestre, ele diz. “Acredito que a medicina vai responder e a vida vai voltar ao normal: trabalhar, consumir, almoçar fora, pegar transporte, viajar. A recuperação tende a ser rápida.”

A discussão sobre os planos de aposentadoria privada ficou mais relevante após a reforma da Previdência. Cresceu a consciência sobre a necessidade de complementar a aposentadoria pública - já são cerca de 13 milhões de CPFs com R$ 1,9 trilhão investidos em produtos afins.

A principal razão de os PGBL e VGBL terem passado a aplicar mais em ativos de renda variável foi a mesma que motivou uma maior tomada de risco nos investimentos em geral: a redução na taxa básica de juros, de 14,25% em 2016 para os atuais 3,75%. Com isso, a poupança e outras modalidades de renda fixa passaram a render muito menos, explica Terni, da Giant Steps. “Na previdência privada, vimos migração massiva para ativos de maior risco, uma readequação ao encontro da necessidade de retorno lá na frente”, ele comenta.

O ambiente econômico - inflação baixa, déficit fiscal em redução - também puxou mais apostas em multimercados ou ações, seja na migração de carteiras em fundos que já existiam ou na criação de produtos com perfil mais agressivo, diz Mello, da SulAmérica.

Ele identifica um “ciclo virtuoso” para além da queda da Selic: “O regulador ajudou, permitindo alocação em ETFs, ampliando os limites de exposição e criando a figura do proponente qualificado”. Mello ressalta outro aspecto, mercadológico: a proliferação das plataformas digitais, diz, facilitou a contratação, atualizou produtos e engajou novos clientes mais propensos a correr riscos.

Ricca, da Brasilprev, quantifica essa evolução: segundo ele, no fim de 2017, a alocação em renda variável pelos fundos abertos ficava em cerca de 10%. “Essa proporção foi para 13% em 2018 e para 20% em 2019. E o que víamos no início de 2020 eram números ainda melhores”, diz.