Valor Econômico, v. 20, n. 4976, 07/04/2020. Finanças, p. C6

Recuperando o equilíbrio dos mercados

Axel Christensen


Os recentes anúncios de política monetária dos bancos centrais ampliando as compras com a utilização das suas reservas e anúncios de governos sobre pacotes importantes de estímulo fiscal permitiram aos mercados financeiros começar a encontrar bases para estabilidade após quedas vertiginosas.

Embora seja quase certo que veremos novos episódios de volatilidade - à medida que a pandemia do novo coronavírus continua em andamento em muitos países -, investidores estão analisando quais ações deverão ser tomadas quando os mercados se estabilizarem.

Uma dessas ações, especialmente para investidores institucionais, com horizontes de longo prazo, é o reequilíbrio das suas carteiras em relação às suas referências estratégicas de exposição por classe de ativo. Por exemplo, um fundo de pensão nos EUA normalmente possui uma carteira de referência com 60% de ativos destinados a exposições de renda variável e os 40% restantes a renda fixa.

Em condições normais, como o retorno de renda variável e de renda fixa diferem em um determinado período, é necessário realizar um reequilíbrio da carteira ao final desse período. Isso significa vender o que teve maior rendimento e comprar o que rendeu menos. Olhando o ano de 2019, isso significaria vender ações e comprar títulos de renda fixa. No caso de 2018, os movimentos teriam sido inversos. Essa regra garante, basicamente, que “vendamos caro e compremos barato”, o que força certa disciplina ao se permanecer ancorado ao perfil de risco/retorno determinado como o mais adequado para o investidor (nesse caso, 60/40).

Em 2020, e como resultado do profundo ajuste financeiro decorrente da crise do coronavírus, esse portfólio de 60% de ações e 40% de renda fixa já estaria mais próximo de 50%/50%, ou seja, apresentando desvio muito maior do que o observado em condições normais de mercado. Essa brecha em relação à referência estratégica é ainda maior do que a observada durante a grande crise financeira de 2008.

Na medida em que os investidores identifiquem sinais mais claros de que estamos em uma situação de maior estabilidade, realizarão seus movimentos de reequilíbrio, isto é, comprando ações e vendendo títulos de renda fixa.

Para sermos mais claros, nossa percepção é de que muitos investidores não acreditam que as condições justifiquem o aumento das ações em relação à sua carteira de referência. Porém, a obrigação de não perpetuar a diferença entre suas posições efetivas e aquelas que eles definem como seus objetivos de longo prazo, tanto em retorno como em riscos associados, gerará fluxos que podem acelerar os movimentos nos preços.

Não é fácil identificar com precisão os sinais que podem levar um número significativo de investidores (especialmente aqueles com perfil institucional, com objetivos de longo prazo, sem pressões significativas de liquidez de curto prazo) a iniciar seus processos de  reequilíbrio. Entretanto, é razoável que sejam cumpridas, no mínimo, as três condições apresentadas a seguir:

1) maior evidência de que a pandemia global está chegando a uma fase de contenção, a exemplo do que já ocorre nos países asiáticos (principalmente a China);

2) anúncios e implementação de ações contundentes de política econômica, tanto de bancos centrais quanto de governos; e 3) resolução de problemas nos mercados financeiros, decorrentes da falta de liquidez provocada pela fuga de ativos, desde ativos de risco a ativos de refúgio.

Nos últimos dias, vimos avanços em algumas dessas condições - principalmente a condição 2) e gradualmente a 3). Ainda se faz necessária maior evidência de que há uma evolução positiva em 1) para que possamos passar a um círculo virtuoso nos mercados: o da recuperação do equilíbrio.

Axel Christensen é diretor de estratégia de investimentos da BlackRock para América Latina
E-mail: brasil@blackrock.com

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