Título: Intelectual do ano
Autor: Emir sader
Fonte: Jornal do Brasil, 04/12/2005, Opinião, p. A11

A economista Maria da Conceição Tavares foi escolhida para receber o Prêmio Darcy Ribeiro de intelectual do ano 2005, entregue pelo Fórum do Rio de Janeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O prêmio será entregue em cerimônia a ser realizada na terça-feira, dia 6 de dezembro, às 18 horas, na capela ecumênica da UERJ, no mesmo momento em que será lançado um novo número da revista Rio de Janeiro, com textos sobre o tema de políticas públicas de cultura. O prêmio foi criado para distinguir intelectuais vinculados ao Rio de Janeiro, tendo sido entregue, em 2002 a Leandro Konder, em 2003 a Celso Furtado e em 2004 a Oscar Niemeyer. A escolha de Conceição poderia se dar por sua extensa obra teórica, por sua atividade política ou por sua trajetória como professora. Mesmo sem ser economista, eu destacaria, entre tantas contribuições teóricas, duas em particular, que tiveram efeitos políticos diretos e em que Conceição remou - como quase sempre - contra a corrente, e o tempo demonstrou que ela tinha razão. A primeira foi a análise, ainda nos anos 60, demonstrando que a economia brasileira havia entrado em um novo ciclo expansivo, sob o impacto das violentas - econômica e politicamente - medidas tomadas pela ditadura militar. Enquanto outros analistas se baseavam em critérios clássicos da crise, aplicados de forma esquemática, para dizer que se estendia a recessão, Conceição soube captar o essencial: o capital não foi feito para expandir a economia, mas para reproduzir-se, não importa a forma que seja. Pode assim - e de fato tem feito isso sistematicamente nas ultimas décadas - se expandir elevando o desemprego, o trabalho precário, as desigualdades. Com tanto que possa dar continuidade ao processo de acumulação. Deu-se isso com o então chamado ''milagre econômico''. Graças a uma brutal repressão aos salários e aos sindicatos, a uma abertura ao mercado mundial e ao favorecimento ao capital estrangeiro, a economia voltou a crescer, porém concentrando renda, privilegiando a exportação e o consumo de luxo. Como em tantas outras oportunidades, Conceição nos chamou fortemente a atenção para os movimentos concretos da realidade, mais além dos nossos desejos. As análises de Conceição sobre a situação da hegemonia dos EUA no mundo, na década de 70, apontavam para uma recomposição do poder estadunidense e para a renovação da sua capacidade de dominação, no momento em que grande parte - senão todos os outros - dos analistas discutiam quando e em que forma se terminaria o imperialismo estadunidense e até o próprio capitalismo. As décadas posteriores lhe deram razão. Uma vez mais Conceição nos fez medir-nos com o movimento real das coisas, condição de todo tipo de ação transformadora, com a qual sempre esteve comprometida. Poderíamos premiar a Conceição por sua impecável atividade parlamentar como deputado do PT. Poderíamos premiá-la como articulista - especialmente por seus textos na Folha de São Paulo - e por sua capacidade de polemista nos mais duros embates teóricos. Poderíamos premiá-la como professora e por sua incomparável capacidade de direção de trabalhos, de formação de novos pesquisadores e professores. Mas queremos premiá-la sobre tudo por sua integridade, por sua trajetória de vida e pelo conjunto das atividades que fazem dela uma referencia - teórica, política e pessoal - para as novas gerações. Queremos premiá-la por tudo isso, por tudo o que faz de Conceição uma economista, uma professora, uma polemista, uma política - em suma, uma mulher que merece, muito mais que um prêmio, o reconhecimento de todos. Por isso lhe entregaremos o Prêmio Darci Ribeiro de intelectual do Ano 2005.

Emir Sader escreve aos domingos nesta página