Correio Braziliense, n. 21861, 23/01/2023. Político, p. 2

Foco na investigação dentro do Exército

Victor Correia


A troca de comando do Exército, durante o fim de semana, traz ao governo a expectativa de investigações e de eventuais punições de militares que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro, além da própria atuação da Força Terrestre frente aos acampamentos bolsonaristas. A demissão do general Júlio César Arruda ocorreu pela resistência do militar em perpetrar investigações e punições dentro da caserna, e alcançou o ápice após a recusa em exonerar o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, de um batalhão de forças especiais considerado sensível ao governo. A ordem veio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O novo comandante, general Tomás Ribeiro Paiva, convocou para amanhã a primeira reunião com o alto comando do Exército. O militar deve anunciar aos pares, no encontro, quais providências tomará em relação à possível participação de integrantes da Força Terrestre nos ataques ou casos de omissão ou leniência com os extremistas. A reunião foi marcada de forma presencial, em caráter extraordinário. Caso o general siga a orientação dada por Lula, as investigações podem se intensificar a partir desta semana.  O general Tomás era o nome favorito de Lula e de aliados desde o ano passado, mas o presidente e o ministro da Defesa, José Múcio, optaram por seguir a tradição e nomear o general mais antigo, Arruda.

Tomás defende que as Forças Armadas são instituições de Estado e discursou à sua tropa, na semana passada, pedindo respeito ao resultado das urnas eletrônicas. O presidente deu a ele a missão de despolitizar o Exército, que é muito próximo de Bolsonaro, e isso inclui punições a integrantes da caserna que incentivem ações golpistas e antidemocráticas. O entendimento do governo, porém, é que integrantes específicos das Forças, inclusive de alta patente, participaram da tentativa de golpe, mas que as instituições em si não estão envolvidas.

São três os principais alvos: o tenente-coronel Mauro Cid; o atual comandante militar do Planalto, general Henrique Dutra de Menezes; e o chefe do Batalhão de Guarda Presidencial, tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, que tentou dificultar a prisão de bolsonaristas que invadiram o Planalto e discutiu com policiais militares. O general Dutra, por sua vez, impediu a retirada do acampamento bolsonarista na noite dos ataques e discutiu com o interventor federal na segurança pública do DF, Ricardo Cappelli.

Além de Lula, membros do governo cobram investigação pela ação dos militares. A operação de retirada dos bolsonaristas só ocorreu no dia seguinte. Integrantes da Esplanada relatam que, durante a noite, militares e parentes teriam sido resgatados para evitar a prisão. Aliados de Lula reforçam a teoria citando que a esposa do general Villas-Boas, um dos maiores bolsonaristas dentro da Força Terrestre, que já deu declarações golpistas, frequentava o acampamento em Brasília. Não há, porém, confirmação se a retirada de militares e parentes realmente ocorreu, mas membros do governo pedem que isso seja apurado.

O ministro da Defesa, José Múcio, por sua vez, declarou que tentou pacificar a relação entre Lula e o general Arruda após os ataques terroristas, mas que a situação ficou insustentável pela recusa de Arruda em prosseguir com investigações e punições a militares. Nos últimos dias, Lula explicitou sua desconfiança em integrantes das Forças e a omissão de alguns generais, sem citar nomes.

“Eu exauri ao máximo. Demorei para tomar a iniciativa, porque a hora foi agora. Eu precisava me convencer disso. Tentei reconstruir essa relação, porque eu vim para pacificar a relação do governo com as Forças. Senti que não havia clima. Fazíamos reuniões, mas não tinha mais clima”, disse o ministro. “O presidente quer investir nas Forças Armadas. Mas ele não perdoou nem vai perdoar a ocupação dos acampamentos em frente ao Exército. Ele quer a apuração absoluta”, acrescentou.

Embora o Ministério da Justiça e Segurança Pública já esteja investigando a participação de militares, tanto nos acampamentos quanto na depredação da Esplanada, os procedimentos internos das Forças ainda são esparsos. O Ministério Público Militar do Amazonas abriu um inquérito para apurar possível crime pelo Comando Militar da Amazônia (CMA) durante a desocupação do acampamento em frente à sede do CMA, em Manaus, em 9 de janeiro.

O desmonte ocorreu após ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que deu, depois dos ataques terroristas, 24 horas para que que acampamentos fossem retirados. Segundo documentos do governo do Amazonas, que também determinou a desmobilização, o CMA guardou pertences dos manifestantes bolsonaristas e negociou a saída individualmente, dentro do quartel, com os líderes do movimento. A Polícia Militar do estado também relatou que o comando não cedeu soldados para a operação.

Em nota, o CMA confirmou a guarda de pertences dos manifestantes por dois dias, justificando que ela “ocorreu como parte das negociações, para que os manifestantes não mais retornassem ao acampamento, medida tomada em auxílio à Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) para o efetivo cumprimento da medida judicial”. Já sobre a negociação com líderes do acampamento, o CMA disse que a conversa ocorreu após pedido dos bolsonaristas para conversar com o comandante, general Achilles Furlan Neto.

“A fim de que as tratativas chegassem ao resultado buscado, o oficial negociador do CMA conduziu integrantes da manifestação à sala de Relações Públicas para tratar do assunto”, diz a nota.