Valor Econômico, v. 20, n. 4977, 08/04/2020. Política, p. A6

Desentendimento é ‘insuperável’



Um dia depois do impasse em torno da demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o governo deu respostas evasivas sobre a efetiva permanência do ministro na Pasta e no gerenciamento da pandemia do coronavírus. Nos bastidores, fontes próximas ao presidente Jair Bolsonaro afirmam que a divergência não está superada. Mandetta fica no cargo, por enquanto. Mas a situação é vista como “insuperável”.

Segundo essas fontes ouvidas pelo Valor, o ministro só não foi demitido na segunda-feira porque isso causaria “um terremoto político”. Mas Mandetta passa por um processo pelo qual já passaram outros ministros como Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), demitidos após semanas ou meses de fritura por parte do presidente e do núcleo ideológico do governo.

A pressão dos chefes de outros Poderes, associada à reação do mercado e das redes sociais, foram determinantes na segunda-feira para dissuadir Bolsonaro da decisão de afastar o auxiliar.

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), recuperado da covid-19, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, telefonaram para o ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, advertindo-o das consequências políticas e dos riscos para os brasileiros da demissão no auge da crise do novo coronavírus.

O recado chegou a Bolsonaro por meio de Braga Netto e do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Mas o Valor apurou que os ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reforçaram o coro. A demissão conturbaria mais o diálogo com o Congresso num momento sensível, como a conclusão da votação da chamada “PEC do Orçamento da guerra” e a prorrogação da CPMI das fake news, que tem o vereador Carlos Bolsonaro como alvo.

Ontem, horas após a ameaça pública de usar a caneta contra o ministro, Bolsonaro adotou uma postura discreta. Foi contido com os apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, evitou a imprensa e cancelou a participação em dois eventos no Palácio do Planalto, um deles ao lado da primeira-dama, Michelle. No entanto, falando a um apoiador no Alvorada, sinalizou ter consciência da dimensão da crise provocada pela instabilidade de Mandetta no cargo.

Questionado por um popular se não assinaria o decreto para liberar o funcionamento do comércio no país, Bolsonaro disse que não responderia para não desestabilizar mais a conjuntura: “Você sabe o que está acontecendo na política?”

No fim da tarde, durante a entrevista coletiva diária no Palácio do Planalto para tratar da evolução da epidemia, o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, tergiversou ao ser questionado se o desligamento de Mandetta ainda estava em cogitação no governo. O general negou que a saída do ministro tenha sido pauta da reunião ministerial. “Está aqui o ministro Mandetta num relacionamento cordial com todos os ministros e a palavra de união que foi dita antes pelo próprio presidente do Banco Central, essa é a posição do governo”, desconversou.

Em outra ponta, grupos bolsonaristas deflagraram um processo para tentar difamar o ministro nas redes sociais e desconstruir a imagem de competência que o tem mantido no cargo.

Bolsonaro também age para tornar desconfortável a situação de Mandetta, comandando reuniões diárias no Palácio sobre a covid-19 sem a participação do ministro. Além do ex-ministro Osmar Terra, em campanha para assumir a Pasta, a médica Nise Hitomi Yamaguchi, diretora do Instituto Avanços em Medicina, tornou-se onipresente nos encontros.

Por sugestão do presidente, Nise passou formalmente a integrar o comitê de crise liderado por Braga Netto para o combate à pandemia.

Cotada para o lugar de Mandetta, a médica é entusiasta do uso da hidroxicloroquina nos pacientes contaminados pelo vírus. Mandetta resiste a recomendar oficialmente a adoção da fórmula ponderando que o tratamento ainda é experimental, sem aval científico. (Com Daniel

Gullino, de “O Globo”)