Correio Braziliense, n. 21861, 23/01/2023. Político, p. 5

Relação de Lula com o STF



Tentando deixar para trás um passado conturbado entre o Executivo e o Judiciário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que vai restabelecer a harmonia no país. Além do desafio de recuperar a paz entre os Poderes, o petista deve indicar os novos nomes que estarão à frente dos tribunais superiores neste ano e, nos bastidores, a expectativa pela normalidade institucional.

Em uma das primeiras providências após as eleições de 2022, Lula se reuniu com os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para acertar os ponteiros. As duas Cortes foram os principais alvos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele acusava, sem provas, os ministros de atuarem para favorecer o PT.

Na avaliação do professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva, Lula não vai adotar uma postura combativa diante do Judiciário. “Também é improvável que haja tensão entre esses dois Poderes em torno de pautas, em parte porque as primeiras medidas do governo Lula serão voltadas à reversão de políticas de Bolsonaro, muitas das quais o STF estava prestes a derrubar, como é o caso dos decretos que facilitaram o acesso a armas”, acrescentou.

No STF, Lula poderá indicar dois ministros para substituir Rosa Weber e Ricardo Lewandowski — que vão se aposentar em 2023 devido à idade. Na gestão Bolsonaro, a indicação para a Corte foi espetacularizada. Antes de o ministro André Mendonça ser escolhido, o ex-presidente afirmou que indicaria um nome “terrivelmente evangélico”.

“Nos ultimo tempos, vimos a Presidência da República supervalorizar e centralizar a indicação aos ministros da Suprema Corte. Então, o que deveria ser um ato de integração passou a ser, ainda mais, uma momento de disputa de forças. Além disso, a indicação passou a ser uma pauta eleitoral de alguns candidatos à Presidência. O que, em primeiro lugar, agravou o distanciamento entre os Poderes e trouxe uma politização pouco saudável da indicação”, observou o advogado Giuseppe Cammilleri Falco.

À imprensa, Lula disse, reiterada vezes, que trabalharia pelo restabelecimento da harmonia entre as instituições. A prova de fogo veio uma semana após os ataques terroristas em Brasília — em que as sedes do do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e da Suprema Corte foram destruídas pelos apoiadores de Bolsonaro.

O advogado Cristiano Vilela, especialista em direito público, destacou a capacidade de diálogo de Lula como trunfo nesse período delicado. “O presidente eleito tem por característica manter um bom nível de diálogo e articulação com os representantes dos demais Poderes. A expectativa é a de que a relação entre o Executivo e o Judiciário retome à normalidade, independente de quem sejam os ministros da Corte”, destacou.

“Lula terá ainda condição de indicar dois ou até três novos ministros. Nesse sentido , a expectativa é a de que sejam nomes com bom trânsito no Judiciário e no meio jurídico em geral é que, além disso, gozem da confiança do presidente”, acrescentou Vilela.

Anos conturbados

O posicionamento de Lula difere do que Bolsonaro manteve nos últimos anos. Ele alimentou uma relação conflituosa com o Judiciário desde o início do mandato. Além de acusar o STF de agir com ativismo, no auge da campanha eleitoral também defendeu publicamente o aumento de ministros, de 11 para 16.

A última vez em que houve alteração no número de magistrados da Suprema Corte foi durante a ditadura militar, onde passou a ter 15 integrantes. Bolsonaro já indicou dois integrantes da Corte: Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que costumavam votar com o governo passado e que, mesmo após o fim da gestão bolsonarista, continuaram alinhados.

No julgamento do STF que decidiu manter o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), pela conduta no dia dos atos terroristas, Mendonças e Nunes Marques foram os únicos ministros a votarem contra a decisão monocrática de Alexandre de Moraes, que afastou o chefe do Executivo local do cargo.

Para o jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino, Lula terá momentos de discordância com o Judiciário. No entanto, a diferença será no trato institucional. “Eu acredito que a relação entre Lula e os Poderes da República será pautada por uma relação mais republicana, mais respeitosa do que foi com o governo Bolsonaro”, disse. (LP)