Correio Braziliense, n. 21862, 24/01/2023. Política, p. 2

Reconstrução de pontes para fomentar comércio

Ingrid Soares


Com vistas à reconstruir pontes políticas e comerciais com os países da América do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu, ontem, com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, na Casa Rosada — sede do governo daquele país — a fim de discutirem vários projetos bilaterais, entre os quais a ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para a construção de um gasoduto unindo os dois países e a formulação de uma moeda comum para importações e exportações. Como forma de reduzir o mal-estar que vinha desde o governo Bolsonaro, Lula pediu “desculpas” aos argentinos pelas “grosserias” do então presidente em relação a Fernández.

“Estou pedindo desculpas ao povo argentino por todas as grosserias que o último presidente do Brasil, que eu trato como um genocida por causa da falta de responsabilidade com o cuidado com a pandemia, fez ao Fernández”, anunciou.

Segundo Lula, o Brasil “não tem o direito de ficar procurando inimigos”. “Precisamos construir amigos, parceiros”, disse, ressaltando estar de volta para fazer “bons acordos” com a Argentina.

Sabendo que a Argentina terá eleições presidenciais e legislativas, e que a popularidade de Fernández não é das melhores devido à crise econômica vivida pelo país, Lula exortou aos argentinos que não deixem a extrema direita — referindo-se ao presidente Ricardo Macri — voltar à Presidência, em outubro. “A extrema direita não deu certo em nenhum país que governou. Espero que o povo argentino, em sua inteligência, não permita que ocorra um desastre político-eleitoral aqui”, pediu.

Emocionado, o presidente ainda agradeceu a Fernández por tê-lo visitado na prisão, enquanto estava preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba. “Não esqueço nunca o gesto que o companheiro Alberto Fernández fez quando foi ao Brasil ao me visitar. Não esqueço nunca a solidariedade do povo argentino. Obrigado, companheiro, pelo carinho que demonstrou naquele momento difícil”, disse.

O presidente argentino devolveu a gentileza classificando Lula como “líder regional e estadista”. “A Argentina sempre estará ao seu lado e não permitirá que um delirante ponha em perigo as instituições brasileiras. Não vamos permitir que nenhum fascista se aposse da soberania popular”, provocou, em insinuação a Bolsonaro.

Venezuela

Em Buenos Aires para participar também da 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que se realiza hoje, Lula deveria se encontrar com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Na coletiva ao lado de Fernández, o brasileiro foi cobrado pelos jornalistas sobre o regime de Caracas — e disse que o “problema” daquele país será resolvido por meio do diálogo. Tanto que anunciou o restabelecimento de relações diplomáticas.

“Queremos que a Venezuela tenha embaixada no Brasil, que o Brasil tenha embaixada na Venezuela e vamos restabelecer a relação civilizada entre dois estados autônomos, livres e independentes. Conseguimos uma vez, vamos conseguir outra vez, e a Venezuela vai voltar a ser tratada normalmente, como todos os países querem ser tratados”, assegurou Lula, aproveitando para criticar o auto-intitulado presidente venezuelano, Juan Guaidó.

“Vejo muita gente pedindo compreensão ao Maduro. Essas pessoas se esquecem que eles fizeram uma coisa abominável para a democracia, que foi reconhecer um cara que não era presidente, não foi eleito, o Guaidó”, reagiu.

E ao contrário de Bolsonaro, que jamais criticou a Rússia pela invasão da Ucrânia, Lula se posicionou contrariamente a Moscou ao comentar a cobrança por ingerências em outros países. “Da mesma forma que sou contra a ocupação territorial que a Rússia fez na Ucrânia, sou contra a ingerência no processo da Venezuela. Espero que Venezuela e Cuba façam aquilo que quiserem e nós não temos que nos meter”, saiu-se.