O Globo, n. 32524, 24/08/2022. Brasil, p. 17
Repressão reprimida
Lucas Altino
Questionado sobre medidas de combate ao desmatamento na Amazônia em sabatina do Jornal Nacional na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro rebateu que haveria abuso do Ibama na queima de máquinas do garimpo. A opinião se reflete em números. Em 2018, houve 2.391 apreensões de equipamentos ilegais na Amazônia, número que caiu para 452 no ano passado, uma redução de 81%, segundo a Rede Observatório do Clima, a partir de dados do Ibama consolidados em janeiro. Somente 2% destes equipamentos são destruídos, calculam servidores do instituto.
A destruição de bens em flagrantes de desmatamento ilegal é uma solução prevista em lei. Muitas vezes, é necessária para que agentes não corram risco de vida, por falta de condições para retirada dos equipamentos em segurança, segundo servidores do Ibama. Segundo especialistas e funcionários do instituto, a política ambiental do governo, com cortes orçamentários, discursos contra o meio ambiente e nomeação de coordenadores sem qualificação técnica, explica a diminuição. Procurada, a direção do Ibama não se manifestou até o fechamento da edição.
No mesmo período em que operações se reduziram, os números de desmatamento da Amazônia acumularam recordes: após a taxa mais alta dos últimos 15 anos ter sido registrada em 2021 (13.245 km²), o primeiro semestre desse ano já superou o do ano passado em 10,6%, o que indica um novo recorde em dezembro. É a primeira vez, desde o início das medições do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, em 1988, que a taxa subiu três vezes consecutivas num mesmo mandato presidencial.
A Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente informou ontem que irá acionar a Justiça para que o presidente informe as supostas ilegalidades cometidas pelo Ibama, como Bolsonaro afirmou no Jornal Nacional. A associação destacou, em uma carta pública, o artigo 111 do decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais e dá base às destruições de equipamentos de garimpo ilegal. Apesar de a lei dizer que a prioridade é retirada do equipamento, a inutilização é possível nas situações em que evitem “expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometer a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização”.
— Quando o próprio presidente do país se declara publicamente contra as ações de proteção do órgão, ele acaba incitando a violência contra nós — afirma Wallace Lopes, agente de fiscalização do Ibama e vice-presidente da Associação de Servidores do Ibama no Tocantins.
A associação acrescentou que “a destruição ou inutilização de produtos e bens apreendidos pela fiscalização ocorre em menos de 2% do total de apreensões” e que são feitas “em locais ermos e isolados da Floresta Amazônica, especialmente no interior de terras indígenas e unidades de conservação”. As ações são registradas e documentadas com as justificativas, segundo o comunicado.
“Conseguem consertar”
A entidade lembrou que os garimpos ilegais costumam ficar em áreas “extremamente remotas” e no período chuvoso é inviável retirar equipamentos.
— Às vezes, as máquinas estão em condição precária, com caminhão sem cabine ou sem tanque de combustível. Para retirar, demanda dias de logística e estrutura que a instituição não tem — diz Alex Lacerda, diretor executivo da associação e fiscal do Ibama no Pará. — Em alguns casos, já inutilizamos o trator, tirando bateria, motor ou radiador, mas mesmo assim, conseguem consertar antes de a gente voltar. Os garimpeiros têm logística impressionante. Qualquer tipo de dano que não seja a destruição pode ser reparado. Eles sabem trabalhar no meio do mato.
Se o garimpo for de barranco, na beira do rio, são usadas escavadeiras hidráulicas. Nos garimpos no leito do rio, são usadas grandes balsas, que reviram o fundo para depois peneirar a lama. Em todos os casos, caminhões, barcos, aviões e helicópteros são usados para apoiar a atividade ilegal.
— Como se tira uma escavadeira hidráulica de um garimpo no meio da Amazônia sem dispor da logística dos criminosos? Eles possuem pontos de abastecimento, conhecem o caminho e o funcionamento daquele equipamento. Podemos ficar dias rodando, vulneráveis — reclama outro servidor do Ibama, que pediu para não ser identificado.
— Na maioria dos casos em que se tentou tirar os equipamentos, os próprios garimpeiros sabotaram a estrada ou atacaram a equipe.
Menos autuações
O total de autuações ambientais durante a gestão Bolsonaro também foi reduzido, segundo o Observatório do Clima. Houve uma média, de 2019 a 2021, de 2.534 autos por crimes contra a flora, em que se destaca o desmatamento na Amazônia. A estatística é 39% menor que a média na década anterior (4.864).
Em relação às apreensões de equipamentos, que incluem os destruídos, foram 2.391 registros em 2018, número que caiu para 1.409 em 2019 — portanto antes mesmo da pandemia, quando operações diminuíram — e depois para 437 em 2020 e 452 em 2021. Os embargos de propriedades rurais, ação que impede um produtor agropecuário de vender produtos do local com dano ambiental, também tiveram queda brusca no ano passado: de 70%, em relação a 2018.
No primeiro semestre de 2022, os autos cresceram, mas num patamar ainda abaixo das gestões anteriores. Foram 5.263 autos (de qualquer tipo de sanção ambiental) de janeiro a junho, contra 7.424 no mesmo período em 2018.
Em termos de orçamento, o valor liquidado do Ministério do Meio Ambiente vem em queda nos últimos anos, e caiu de R$ 3,4 bilhões em 2018 para R$ 2,52 bilhões no ano passado. Para o Ibama, houve um aumento dos recursos autorizados para a fiscalização, de 2020 para 2021. No entanto, o Observatório do Clima destaca que, até o fechamento do ano, só haviam sido liquidados 41% do orçamento previsto de R$219,4 milhões. Ou seja, menos da metade foi usado.